quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Ao Cineas Santos

Como disse em postagem anterior (e como objetivo do próprio blog), o mesmo seria unicamente para publicação de algumas coisas literárias inéditas; entretanto, a exemplo da última postagem, lembrei-me do meu amigo Cineas Santos, blogueiro do "Jornal O Dia"(Teresina - PI), piauiense dos cafundós de São Raimundo Nonato, que, com propriedade, sintetizou o uso da crase da seguinte maneira:
"O amor parte à porta,
E tudo é festa.
O amor bate a porta,
E nada resta."

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Autopsicografia

Era objetivo deste blog indicar que o mesmo se restringiria a apresentar fragmentos literários (se assim podemos considerar os escritos que aqui constam) inéditos, entretanto, o cotidiano e a intenção de mérito (aquele mais do que este) por trás de cada uma de suas criações me fez amparar no vaticínio de Fernando Pessoa (Autopsicografia), que reproduzo a seguir, e que comungo, integralmente, nas linhas e entrelinhas.

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Alter ego

Meu alter ego emudeceu
De tanto medo do que não veio a ser
E o infinito que foi ou é...
Ainda teme o por vir
Que não pode ser...
E nunca deixará de existir.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Ao meu alter ego

Um dia, uma emoção.
Tudo passa - o tempo,
As coisas do coração.
Mas estas, por certo,
Marcas em nós deixarão.

Faz-se o encontro.
Resgata-se o tempo
E resta, velado, no coração,
Quem sabe, a dor
Da paixão em ebulição.

Que me diz, meu alter ego?
O tempo passou, marcou...
Atrevo-me a dizer:
Não marcou, não passou,
Mas, simplesmente, enraizou.

É que quando te vejo,
Meu alter ego, o tempo,
Por mais que decorrido,
Não sarou, como desejo,
Este coração ferido.

Mais um dia, mais uma emoção;
Meu alter ego suspirou,
Disparou, imaginou...
E então, meu alter ego,
De onde vem tanto furor?

terça-feira, 14 de outubro de 2008

A mulher de vida confortável

Das muitas pessoas que conheço, poucas têm a vida mais confortável do que minha prima. Sem muita riqueza material, muito menos ainda financeira, baliza sua vida pelo cotidiano mais que apropriado de uma cidade do interior: comer, bater perna na rua, fofocar e dormir – vale dizer, tudo sem qualquer tipo preocupação.
Uma pequena cronologia da vida de minha prima me permite constatar sua origem relativamente farta, principalmente se considero o padrão das necessidades supridas das demais pessoas que formam o universo das que a rodeiam.
De pais com alguma posse, na verdade, minha prima pouco ou quase nada teve que fazer para prover sua própria providência de subsistência, porém, reconheço que a mesma, presentemente e já desde uns doze anos para trás, vive às expensas de uma aposentadoria de um salário mínimo oriunda de sua condição de professora primária, embora, diga-se, sem nunca ter manuseado sequer uma barra de giz! Explico: fruto do famoso “jeitinho brasileiro”, quando na atividade de professora primária, minha prima sempre arrumou uma maneira, com a conivência de seus chefes, de nunca se ausentar da secretaria da escola em que lecionava, ou seja, já por essa época, ficavam os seus supostos alunos a verem navios...
É certo que minha prima soube escolher suas amizades; e isto noto quando levo em conta aquela residência em que, costumeiramente, cotidianamente e diariamente, ela busca suprir suas necessidades atuais de comer, beber, prosear, dar pitaco e, com certeza, de querer fazer as vezes de dona do pedaço...
Da porta da rua para dentro de sua casa não vislumbro suas atividades, mas permito-me imaginar a trivialidade de suas ações: acordar, levantar, assear-se, arrumar-se e pronto – rua. Vejo-me vendo-a, na sua pisada levemente despreocupada, em direção à sua “menina dos olhos”, parada obrigatória para suas três refeições diárias principais (café, almoço e janta), e, talvez, para as demais também (lanches matutino, vespertino e noturno). De longe, de minha calçada, dou um alô: “e aí, coroa véia!”, e arrisco, contido entre os meus parentes, um sussurro velado: “já vai, eh!” Em resposta, sempre, um aceno cordial.
Às vezes, da porta da casa do meu primo, sigo seus passos, observo seu deslocamento, destaco seu capacete castanho claro achatado e concluo que, como a mim, aos outros também saltam os olhos o estilo de vida dela. É que os comentários, maliciosos ou não, partem, inclusive, de seus próprios parentes de segundo grau, que não se cansam de apontar a leveza da falta de preocupação com o porvir de tal criatura.
De todo, apesar dessa leveza, minha prima tem suas virtudes, merecendo destacar aquela que lhe faz ser uma pessoa engraçada em face de suas “tiradas” embutidas com muitos palavrões ou coisas que o valham – creio que seja por isso que as pessoas que lhes são próximas não conseguem tê-la como um ser intragável; bem ao contrário, ao que sei, excluindo-se as escaramuças políticas que divide toda cidade pequena, sua aceitação é pacífica entre os seus conterrâneos.
Creio não ser uma vida elogiável, mas, com certeza, para alguns, invejável, afinal, quem, dentre nós outros mortais, não gostaria de acordar, passar o dia e dormir sem qualquer preocupação com o porvir, com o que comer, com o que beber?
Então, a quem interessar possa, elogia-a, inveje-a ou atire-a a primeira pedra!

sábado, 27 de setembro de 2008

Un jour dans ma vie


7:15h. O porteiro não me olha e não recebe meu bom dia; abro o portão e saio. Vejo as secretárias domésticas puxando os cachorrinhos das patroas – estas, por certo, “adotam” os animais, mas não assumem as responsabilidades da criação, delegando àquelas. Imagino que algumas secretárias, com o devido “banho de loja”, teriam melhor sorte, o que seria o azar dos porteiros, zeladores, bombeiros etc. Sigo meu caminho com a cautela de olhar para frente, para trás, e concluo não haver ninguém suspeito – é a precaução mínima de uma cidade grande, com todas as suas mazelas e os perigos em cada esquina. No cruzamento observo o trânsito, atravesso a rua e me encontro ao lado de uma escola infantil – penso que logo logo estarei em igual condição dos pais de agora, parando seus carros, descendo com seus filhos e suas mochilas e os entregando à educação privada, pois da pública há muito não se conta e nem se espera muita coisa. Vejo certa pressa das pessoas a pé (às vezes, a minha própria) em direção às suas obrigações, e, no trânsito, os mais apressados ainda, tentam, por falta de educação automobilística, "empurrar" os carros da frente com o dedo na buzina, já então, antecipando a chegada do estresse que o acompanhará no resto do dia. No meio do quarteirão e nas imediações dos locais mais concorridos, com a flanela na mão ou no ombro, sobressai a apropriação privada da via pública – por mais que entenda a situação econômica dessas pessoas, quase sempre me recuso, quando abordado, a bancar, por valor mínimo que seja, a oferta forçada desse tipo de “trabalho”. Continuo meu caminho. Condiciono-me a vê as coisas belas ainda existentes no percurso, a exemplo de um enorme e belo pé de caju, com suas folhas verdíssimas e já com a floração à vista, tempo em que aproveito para imaginá-lo daqui a dois meses, com seus cajus maduros amarelos, quem sabe, vermelhos... Chego ao cruzamento com uma avenida bastante movimentada e, na inexistência de semáforo, apuro meus sentidos para atravessá-la. Percebo um carrinho de venda de tapioca estacionado sobre a calçada, e há concorrência pelo consumo desse produto nordestino – observo o prazer das pessoas em saborear, por um real, um cafezinho com tapioca – é o café da manhã de cada um. Atravesso o cruzamento e, do meu lado direito, vejo um hospital, e imagino as dores, os sentimentos e as tristezas dos que lá se encontram, entretanto, sem descuidar de vislumbrar a alegria daqueles que retornam aos seus lares com saúde. Caminho a passos medidos, sem os medir. Ouço o barulho intenso dos carros e algumas buzinadas, apesar da existência do hospital. Aproveito a sombra imensa de várias árvores semelhantes aos oitizeiros e a brisa fresca que vem do mar, o que ameniza a caminhada de pouco mais de cinco quarteirões. Apraz-me um pouco notar a urbanização arquitetônica recente da cidade, com seus prédios de lojas e apartamentos cada vez mais arrojados, diferenciados e bonitos, diga-se. Percorro mais um quarteirão, me aproximo de outro cruzamento movimentado; espero, fiscalizo a vizinhança (nada suspeito), olho com atenção, meço a distância do carro mais próximo e me aventuro na travessia, sem problemas. O prédio do local de trabalho já está à minha vista, e meu estado de espírito e consciência crítica denotam-lhe o sentido do dia: às vezes, como um local de reputação a se destacar, outras, um simples elefante branco. Ouço o barulho de alguém gritando, assobiando, gesticulando e sinalizando, e, sem maiores dificuldades, o identifico como outro dono de quarteirão a querer “pastorar” os carros, desta feita, com mais afinco, mais propriedade e, com certeza, como mais “dono do pedaço”. Na esquina, alguém se achou no direito de explorar seu próprio meio de vida comercial, sem o patrocínio ou permissão do Poder Público – na bodega “móvel” encontram-se alguns tipos de salgadinhos, de sucos e de refrigerantes, além, claro, do café e do leite, e, ao que parece, existe freguesia fixa. À frente da entrada do prédio, olho o relógio e constato a precisão de minha obrigação, além daquela que me faz ser identificado por um crachá para adentrá-lo. Quando não necessito de dinheiro, vou direto ao elevador, dou bom dia aos colegas e me sinto, sem explicação, um tanto quanto inconfortável relativamente à presença daqueles dentro do elevador. Chego ao quarto andar, abro a porta, dirijo-me à sala de trabalho, não sem antes abrir a pasta da freqüência, procurar meu nome e carimbar: 7:30, 11:30, 13:30, 17:30, rubrica. Confesso: no tempo necessário a fazer esse carimbo, meu mundo gira em torno de perguntas atormentadoras, a exemplo de, por que isto, para que isto, é isto mesmo o que quero, isto farei amanhã novamente,... Sem respostas, acomodo-me à minha mesa. Os colegas chegam e com eles os papos de cada dia. Alguns dos colegas, comedidos; um outro, de alto e bom tom, não se cansa de usar a primeira pessoa para exaltar seus feitos presentes e passados, mas, nem por isto, deixa de ser uma pessoa bastante significante; um outro, esqueço. Passa o tempo, às vezes trabalho, outras, nem tanto...
11:30h. Deu minha hora de almoço. Desço. O desconforto do elevador continua me sendo presente – preferia descer sozinho ou, no máximo, com pessoas com bastante afinidade. Guardo o crachá. Sigo em frente. O cotidiano da rua continua sem muitas alterações, mas noto a pressa acentuada das pessoas, o trânsito intenso e o calor de um sol de 38 graus centígrados, amenizado, na sombra, pela brisa marítima alencarina. Retorno aproveitando as sombras dos prédios e das coberturas improvisadas dos pontos comerciais. A sombra dos oitizeiros refresca meu corpo. O carrinho de tapioca já não se encontra na esquina. Com o porta-malas aberto, um carro apresenta suas variedades alimentares para um almoço rápido e barato, mas sem que se possa comprovar sua qualidade e higiene – é um modus operandi de sobrevivência, fruto da falta de emprego formal. Os flanelinhas continuam alugando as vagas públicas. Na escola infantil os pais esperam a saída dos filhos, estes, pelo lado de dentro da escola, esbanjam energia aos pulos, gritos e brincadeiras. Aperto a sirene, entro.
13:15h. Apesar da preguiça latente, dirijo-me ao segundo tempo do trabalho, sob um sol escaldante. Minha preocupação passa pela minha própria vizinhança, por isso sigo observando os transeuntes das proximidades – nada se apresenta a merecer desconfiança. A escola infantil permanece com sua atividade normal: crianças chegando, brincando, correndo, gritando. O sol é abrasador e o vento, na sombra, é fresco e ameniza. Os flanelinhas agem, se apresentam e esperam um trocado, ainda que não solicitado seus préstimos. O pé de caju me enche os olhos e dá, sob suas folhas, guarida aos transeuntes que retornam ao trabalho. A avenida continua com tráfego intenso, o que requer mais atenção na sua travessia. Atravesso e me vejo caminhando, por pouco mais de cem metros, sob a dádiva das sombras dos oitizeiros. Espero o sinal fechar, mas, algumas vezes, não tenho paciência para tanto, e, correndo, cruzo uma rua, tento desviar do sol apressando o passo e procurando a sombra dos prédios, mais uma vez. Entro por outra rua e avisto o prédio do local de trabalho. Apresso as passadas para atravessar uma rua movimentada, mas os meus olhos estão nos carros vindo em minha direção. Chego do outro lado, são e salvo. O flenelinha “dono” do quarteirão encontra-se abrigado na sombra, à espera de seus “clientes” forçados.
Adorno meu pescoço com o crachá, entro, dirijo-me ao elevador e subo pelo elevador com o mesmo sentimento inconfortável. Aproximo-me da porta da sala de meu trabalho; está trancada, embora com um servidor assistindo televisão pelo lado de dentro; uso minha chave, abro e dou um alô ao servidor. Sento à minha mesa, acesso à internet e vejo as últimas notícias do Brasil e do mundo. Trabalho. Meus colegas chegam, conversam e trabalham também.
17:30h. Enfim, o dia passou. Desligo tudo e sigo o caminho da saída, do elevador, da rua. Já não existe mais o flanelinha agitado, buscando seus “clientes”. Na rua a brisa é fresca, a caminhada, sob esse ponto de vista, é prazerosa, mas continuo, na proximidade da escuridão, a ligar minhas antenas quanto aos transeuntes suspeitos. Percorro a avenida movimentada com a acuidade de sempre. As pessoas parecem cansadas, e os motoristas, por qualquer segundo parado em face do carro da frente, acham que a buzina resolve tudo. O local do carrinho da tapioca deu lugar ao carrinho do “churrasquinho de gato” – nova freguesia circunda o vendedor. Ao passar pela escola infantil imagino que as crianças de hoje, como as de outrora, são o futuro de qualquer país; aproveito para abrir um sorriso para algumas delas, que, ainda com energia, esperam seus pais. Atravesso a última rua, aperto a sirene do prédio, entro e fecho a portão. C’est un jour dans ma vie.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Falso "arrastão" no Iguatemi




Em Fortaleza (CE), domingo, 14 de setembro de 2008, final da tarde, início da noite, no Shopping Iguatemi, houve uma tremenda correria, que se assemelhou ao que conhecemos hoje, modernamente, por “arrastão”.
Para quem nunca ouviu falar em “arrastão” (o que é pouco provável tal inocência), resume-se: trata-se de uma situação em que um bando de malandros, vagabundos ou ladrões resolvem promover uma série de roubos ou assaltos simultâneos aos transeuntes que se encontram às suas frentes, ou seja, vão atacando, depenando, roubando ou assaltando tudo ou todos que encontram no seu caminho.
Alguém, durante a correria, deve ter gritado: “arrastão! arrastão! arrastão!”
Nesse momento, o caos se instalou. Gritos e correria para todos os lados; buscava-se, como proteção, algum abrigo, e sobrou para as lojas...
Pois é, com toda segurança de um shopping center, a exemplo do referido acima, mesmo assim não foi possível controlar as pessoas que corriam em direção às lojas, e algumas destas, ao se depararem com o movimento assustador daquelas, imediatamente cuidaram de cerrar suas portas, mantendo presos os que lá se encontravam e impossibilitando aos de fora entrarem.
Conseguiram os seguranças, tempo depois, acalmar a situação.
Sondando-se a respeito do início do movimento, foi dito que tudo começou com uma discussão dentro de um dos cinemas do shopping, em que um dos briguentos sacou de uma arma e, a partir daí, dar para se imaginar o efeito produzido nos cinéfilos que se encontravam nas imediações dessa pessoa com a arma em punho: um corre-corre tremendo, um salve-se quem puder...
É interessante como a imprensa local (falada, escrita e televisada) se mantém num silêncio sepulcral a respeito de tal fato. Ninguém viu, ninguém sabe, ninguém pode escrever nada, ou seja, isto não é notícia.
Acredito que deve haver algo de podre no seio desse poder econômico dominante, algo que nos impede tomarmos conhecimento dos fatos quando estes acontecem em locais considerados “vips”. Ao contrário, quando um fato semelhante ocorre numa quitandinha de ponta de rua, numa bodega de um bairro pobre, ou numa zona comercial de freqüência humilde, pronto, é manchete do noticiário radiofônico e televisivo do dia e da mesma noite, e, na manhã seguinte, estampa a primeira página dos jornais, sem qualquer restrição de endereço, fotos, entrevistas etc.
E a imprensa se vangloria de ser livre – já captei: livre para noticiar o que lhe interessa; no caso em tela, com certeza, não interessa (principalmente, claro, a quem patrocina o interesse)!
Então, vamos às notícias da periferia!

quarta-feira, 3 de setembro de 2008


Eis a versão desenhada do filho feito pelo próprio pai.

Não tenho como, com palavras medidas, incontidas ou repetidas, traduzir tamanho sorriso...
Esse sorriso espontâneo, de um ano e nove meses, por si só, se basta.

Amor contido

Ah, quanto amor desejado,
Quantas tentativas frustradas...
No quarto, uma rede, uma cama.
Na cabeça, o desejo de quem ama.
Meus olhos a porta vigiava,
Minhas mãos a acariciava.
No receio da descoberta iminente,
O amor permanecia latente,
E tentávamos ser felizes
Ainda que descontentes...

Dúvida

De repente é amor?...
Alguém planejou, mas não revelou.
Nem percebi... e senti...
Um amor não escrito,
Mas lido... por mim... por ela.
Um amor que se foi
Sem ter chegado,
Momentos raros
De um ser apaixonado...
Com poesia e fantasia,
Com verdades e olhares
De insistência e teimosia.
De namoro, não passou,
De harmonia extrapolou...
Faltou audácia, mas não ternura
Teve paixão, sem amargura...
E é eterno...ainda dura!

(Obrigado, meu alter ego)

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Os poetas

Deveriam escrever em cores,
Os poetas que falam de amores.
Deveriam escrever forte,
Aqueles que falam de morte.
E não deveriam escrever,
Os que não sabem viver.

(Obrigado, meu alter ego)

Jornada

Os meus passos são curtos e raros
Para percorrer todas as areias
Das praias daqui...
Mas os meus braços já bastam
Para nadar todo o oceano
De ondas que me levam a ti.

(Obrigado, meu alter ego)

Pensar...

Penso o que vivo...
Queria poder viver o que penso.
Mas a vida é muito simples,
E o meu pensar é muito denso.

(Obrigado, meu alter ego)

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Os sapatos debaixo da cama


O ano era o de 1996. Meu primo, sem maiores preocupações como a vida, usufruía uma posição econômica privilegiada, eis que, sem os grilhões de uma vida marital, e no exercício de um cargo público com status de carreira típica de Estado, recebia mensalmente algo em torno de quarenta salários mínimos.
Por certo era um excelente salário e, ainda que meu primo vivesse em apartamento alugado, mas pelo fato de não beber e nem fumar, sobrava-lhe o suficiente para adquirir o que o capitalismo (selvagem, diga-se) lhe oferecia: produtos de marcas, claro, mas supérfluos, com certeza.
Na esteira das sobras mensais, respaldado na falsa ilusão do rendimento da poupança, e enquanto passeava em um shopping center, meu primo não conseguiu resistir a uma promoção de venda de carro novo e, assim, comprou seu segundo automóvel zero km, mesmo já tendo um outro com pouco mais de um ano de uso.
Às suas despesas rotineiras juntou-se àquela proveniente do asilo dado a uma conterrânea, cujo interesse particular era o de trabalhar para tentar alçar vôos próprios.
Por essa época, meu primo, sem motivos que o impedissem de voar, constantemente era requisitado a fazer viagens a trabalho em outras cidades do País, tempo em que, solícito, cedia seu carro mais velho (um ano e pouco de uso) à sua conterrânea, que o utilizava, com zelo, para os fins que desejasse.
Pois é, a conterrânea sabia usufruir as benesses do meu primo: curtia o carro cedido da maneira que lhe aprouvesse e, de vez em quando, surrupiava a chave do carro novo para ir trabalhar, ou sabe lá Deus o que mais. Aliás, quanto à utilização do carro novo para ir trabalhar, meu primo confessa que isto foi inovação da conterrânea...
Era fácil para o meu primo controlar, quando se ausentava, a utilização do carro novo, bastando para isto apenas fazer a devida anotação da kilometragem rodada, a ser conferida no retorno.
Entretanto, algo não batia com seu juízo quando o mesmo se deparava com seus sapatos e chinelos elegantemente desarrumados debaixo da cama, isto porque era sua praxe deixá-los sempre alinhados na borda da cama ou junto à parede. Mistério!
O primo, como quase todos os nordestinos, sempre recebia visitas em seu apartamento, e, um dia, uma delas soprou no ouvido dele que a conterrânea, muitas vezes, talvez cansada de dirigir, resolvia curtir melhor as comodidades do “próprio” apartamento.
Acuada na parede pelo meu primo-patrão, a secretária doméstica entregou o serviço completo: nas viagens do primo-patrão, a conterrânea se dizia, ao pé da letra, dona do pedaço, pois arrotava sua propriedade, recebia os amigos e namorados e, quem sabe, alegava aos seus o favor que estava fazendo em acolher meu primo como inquilino.
A conterrânea, cotidianamente, dormia em dos quartos que continha duas camas de solteiro e um colchão de sobra. Todavia, na ausência do primo e na presença dos namorados (um de cada vez, em dias diferentes, penso), era mais elementar poupar os esforços físicos inúteis de se juntar as camas, guardando-se essa energia para ser aproveitada na suíte com cama de casal, ar-condicionado, televisão, vídeo cassete e uma pizza entregue em domicílio.
Um dia, após a sessão amorosa, ela arrumou a suíte, limpou o banheiro, tirou as manchas de catchup dos aparelhos de televisão e de vídeo cassete, mas esqueceu de alinhar todos os sapatos e chinelos do primo que, quando não viajava, ali dormia...
FIM

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Maria!

Maria,
teu filho eliminou mais um.
A facadas,
desvairadas,
revoltadas,
pela luta,
de viver
ou de morrer,
aqui mesmo,
nesse inferno,
sem verão,
só inverno.
Muito frio,
na pele,
no sangue,
no prato vazio.
Você lamenta,
e se atormenta,
e chora,
e continua,
na lida,
“da vida sofrida”,
de peito aberto,
pro mundo,
pro perigo
de mais um feto,
que mais tarde,
no chão que arde,
desse país tropical,
será também, marginal.
E aos teus ouvidos,
aquelas palavras,
virarão lugar comum.
Maria,
teu outro filho
matou mais um.

Obrigado, meu alter ego

Um vôo, um desejo


Corria o final da penúltima década do Século XX, e a constância do exercício de uma rotina bancária tediosa (caixa de banco) fez meu primo tentar alçar novos vôos, quem sabe, mais prazerosos, eis que o mesmo se submete a um exame para fazer um curso de pós-graduação em administração bancária.
Concorrendo com quatro outros colegas do banco, conseguiu meu primo lograr aprovação sem maiores dificuldades, o que lhe possibilitou ausentar-se de seu domicílio por um período de dez meses consecutivos, migrando, nesse tempo, para uma outra capital distante da sua aproximadamente 4.000 km, mas com direito a um descanso de sete dias a cada pouco mais de dois meses.
Nesse tempo, meu primo já tinha passado para o lado dos casados, o que, como aplicação indireta do curso, teria que “administrar” a ausência de sua então cara-metade nesses intervalos de pouco mais de dois meses intercalados com os dos descansos.
Ainda que se avinhasse a famosa crise dos sete anos, a verdade é que, nessa época, meu primo não tinha, pelo menos aparentemente, motivos para se preocupar com a ausência bimensal do calor daquela que o acompanhava por quase oito anos.
Da despedida da primeira partida, lembrava meu primo dos olhos inchados daquela que ficou para trás, a chorar na poltrona do saguão do aeroporto, e já, desde então, contando os dias do retorno...
Enquanto meu primo se acomodava na poltrona do avião, já com a tranqüilidade de quem fazia seu segundo vôo, pensava nos momentos prazerosos vividos nos últimos dias que antecedeu sua viagem, bem como maquinava os planos para o próximo encontro com os seus e com aqueles que o esperava na cidade do curso, afinal, seriam longos dez meses sem a convivência familiar, mas tendo que aprender a dividir seu espaço com um colega de quarto, e com outros trinta, nos espaços comuns do curso.
Sustentado por seus pensamentos, meu primo curtiu a viagem de ida, sem sequer perceber as turbulências que normalmente ocorrem nas imediações do espaço aéreo entre Brasília e Goiânia – nada perturbava seus planos e convicções, e a vida lhe parecia um mar de rosas.
Dois meses se passaram rapidamente, e no natal, lá estava meu primo curtindo aqueles que lhe tinham sentimento fraternal, sentimental e íntimo.
Sete dias se passaram voando, e a obrigação do curso o fez retornar, restando-lhe, na retina, mais uma vez, a imagem de um rosto marcado pelos olhos inchados pelo choro de quem não queria ser abandonada por mais dois meses...Decola o avião, e com ele os pensamentos do meu primo relembravam os momentos vividos de maneira intensa, sem reparos.
Nos dois meses seguintes, meu primo tentou encurtar a distância com muitas ligações telefônicas: algumas não completadas; outras sequer atendidas; muitas perguntas, algumas sem respostas satisfatórias... Entre alguns momentos telefônicos de ternura e de paz, outros não terminavam bem. Imaginava meu primo que se tratava de uma suposta liberdade que, aparentemente, não o permitia ventilar qualquer questionamento... Teve início o ciclo de uma frustração iminente.
Atordoado pelas frustrações de algumas ligações telefônicas duvidosas, mas com a esperança de um acerto de contas harmonioso, meu primo encontrava-se pensativo no avião, buscando explicações que acalentassem suas expectativas, principalmente porque, em poucas horas, estaria nos braços dos seus e da sua...
Meu primo acredita que essa semana foi a mais curta, pelas expectativas da espera que as coisas acontecessem, e, ao mesmo tempo, a mais longa, pelos resultados frustrantes que recebeu das coisas não acontecidas...
No avião, de retorno pela terceira vez à cidade do curso, a dez mil metros de altura, meu primo remoia os desejos não correspondidos da semana passada: no primeiro dia, alguns carinhos comedidos incompreensíveis; no segundo dia, explicações afetivas sem justificação prática; no terceiro dia, o amor sentido sem amor...(no terceiro dia!).
O avião balançava sob a turbulência de praxe; na poltrona da janela, quase que escondendo a cara com remorso de si mesmo, meu primo aparentava um descontrole inusitado: calado com seus pensamentos, apresentava uma coragem assustadora, pois, fazendo pouco caso da turbulência aérea, vislumbrava uma possível abreviação de seu sofrimento com a queda do avião...
Três anos depois do curso, na praia e de peito pra acima, encontrava-se meu primo tomando água de côco com outras meninas, desta feita, usufruindo a liberdade individual de uma vida que não foi ceifada pela queda do avião...
FIM

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

VOTAR OU NÃO VOTAR, eis a questão!

Com tantas mazelas mostradas pelos meios de comunicação relativamente aos nossos políticos eleitos democraticamente (vale dizer, pelo voto, mas, com certeza, não pela vontade livre do eleitor), fica difícil ao verdadeiro eleitor decidir novamente por sufragar os próximos candidatos na eleição municipal de 2008.
Com a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao comando da Nação em 2002, e posteriormente, com a reeleição em 2006, me vejo sem qualquer ilusão quanto aos atuais candidatos a prefeito e a vereador. É que, embora não sendo nenhuma novidade, existe uma diferença enorme entre um candidato que esteve no palanque e aquele que exerce o cargo após ser eleito.
Eu diria que no palanque tem-se o candidato ideológico e portador das soluções para todos os tipos de problemas da Nação, do Estado e do Município. É aquele candidato que reza, ao pé-da-letra, pela cartilha do partido, sem arredar um centímetro de suas convicções e com perspectivas de resolução de todas as mazelas da população.
Ao descer do palanque e sentar na cadeira de prefeito ou de vereador, as coisas mudam – e como mudam. Já não tem uma ideologia cega a seguir, a cartilha do partido torna-se bastante costurada e adaptada à sua maneira, e as soluções vislumbradas já não se encontram diante de seus olhos, à mercê de sua vontade. É, por assim dizer, o ajuste, de forma deslavada, às condições do poder ali reinantes.
Acometidos pela vã ilusão produzida pelos marketeiros de plantão, votamos, e nos decepcionamos findo o prazo de poucos mais de dois ou três meses depois.
De quatro em quatro anos (ou de dois em dois, se considerarmos que não há uma total sincronia dos pleitos eleitorais), somos forçados (já que o voto é obrigatório) a votar novamente, e escolher uma nova ilusão... E aí sobra-nos um questionamento: o que fazer para escolher um “novo” candidato?
Penso que embora quase sempre tenhamos sido iludidos e enganados nas escolhas pretéritas, ainda assim, esses votos passados nos servem para orientar a novel escolha que se avizinha, pois, por evidência, nem sob protesto, devemos reeleger os cargos daqueles que não se coadunaram com nossas expectativas ideológicas e administrativas.
Creio que a depuração dos cargos políticos eletivos se faz exatamente pela exclusão da vida pública daqueles que não honraram, após eleitos, a plataforma política de palanque, e a maneira mais salutar, silenciosa, honesta e democrática de se exercer esse desiderato é exatamente pelo voto consciente – entenda-se, como voto consciente, não aquele que você vai dá para o candidato que te deu uma sandália, um tanque de gasolina cheio, algum dinheiro, ou mesmo um emprego, mas, aquele que você vai recompensar o candidato pelo esforço que ele teve quando fez uma boa administração no que tange à saúde, à educação, à agricultura, à infra-estrutura, às finanças etc, seja sob o ponto de vista prático, seja pelo simples fato de sua colaboração para a produção de normas que levaram a essa boa administração – e isto você reconhece quando fica antenado com as mudanças que ocorreram no seu local de moradia, no seu Estado e no País como um todo.
Infelizmente, por conta das constantes desilusões em face dos comportamentos posteriores dos candidatos eleitos, somos forçados a concluir que nosso voto não se reduz a escolher o melhor, mas, o menos ruim – e assim você deve sufragar.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O tempo seguinte

Sessenta dias e poucos
Sentimento passado
Coração sofrido
Corpo doído
Mente
Sente
Amor caído
Ano mal vivido
Tempo angustiado
Anos futuros de loucos

Sem tom

Minha porção sentimental foi embora.
Sem adeus, bateu a porta.
Meu coração bate fora
Do peito que já nem arde.
Sexo e sentimento,
Agora são coisas de marte.

Obrigado, meu alter ego

Opostos

Somos contradições,
Que se encontram num raio de olhar.
Somos caminhos,
Que se dissipam
E se cruzam
Na infinita beleza de amar.
São duas almas distanciadas,
De corpos que vivem a se tocar.

Obrigado, meu alter ego

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Buenos Aires - Argentina


Não se enganem: os preços em Buenos Aires (Argentina) em julho são verdadeiramente assustadores. Tudo é caro, exceto, as corridas de táxi. Aliás, quanto aos táxis, são dois para cada três carros nas ruas de Buenos Aires. E quanto aos carros, de cada dez, oito são verdadeiras sucatas, mas funcionam. Funcionar, funcionam, mas seus motoristas (melhor chamá-los de chofer), como guiadores de carros, são excelentes buzinadores, como os das ruas de Fortaleza.
De Fortaleza fui a Buenos Aires (Argentina): fui, vi e, sinceramente, meus planos acabaram quando pisei na Terra Alencarina...

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Dúvida

Olho pela janela...
Imagino e indago:
Ainda vou ser o dela?

In-vício




Não bebo, não fumo;
Procurava alguém
Pra dividir meu rumo.

Vazio

É só por sua ausência
Que vivo neste eterno
Estado de indulgência
.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Mulher certa

Não que você seja a pessoa certa,
Mas com certeza, teria o maior prazer
De te levar para uma ilha bem deserta!

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Luz

Brilho de luz, que reluz:
Por que fiquei sem
O amor que me seduz?

Rendição à criaturinha



O aparelho médico, untado ao gel peculiar, passeia sobre a barriga grávida da futura e radiante mãe. Escorado ao pé da porta que separa o escritório do consultório, me via observando aquela cena e, como que especulando e torcendo, imaginava o ser que, pouco mais seis meses dali, emergiria para a vida.
Parecia simplório para o médico identificar, numa tela de um monitor, algumas partes do corpo humana daquela criaturinha – confesso que, apesar de apurar os sentidos, abrir bastante os olhos e chegar um pouco mais perto do monitor, não conseguia vislumbrar as indicações do médico, pois, a meu juízo, a imagem não passava de uma massa disforme, pulsando.
É claro, desde o conhecimento da concepção tive minha preferência quanto ao sexo da criaturinha, embora, no fundo, sempre pedia para que ela apenas nascesse com muita saúde, qualquer que fosse sua identidade sexual. Por evidência, eu continuava ali, escorado ao pé da porta, na torcida, esperando que o desígnio de Deus casasse com meu desejo...
E o médico, continuando no seu labor, começou a identificar a cabeça, o coração, a perninha, o braço – eu, de olho na imagem e sem saber o que era o quê, continuava voando, mas na expectativa... Sem maiores delongas, e adentrando na genitália daquele serzinho, o médico deu seu veredicto contumaz:
- Papai, comece a comprar as bolas, pois tem um cacho de côco entre as perninhas dessa criaturinha...
A reação inicial do futuro pai, que não comunga com a quase unanimidade dos demais candidatos a essa responsabilidade, foi a de balançar a cabeça, abandonar o recinto e concluir, cético, que Deus escreve certo por linhas tortas, já que o casamento entre o desígnio e desejo não se realizou.
O primeiro mês de vida se revelava desafiador: choro intermitente quase toda noite, sem que pudéssemos, como marinheiros de primeira viagem, fazer quase nada, afinal, não existe comunicação com um serzinho dessa idade. Entretanto, o jeitinho de dormir e a paz que daí saía amenizavam e adocicavam nosso espírito no dia-a-dia...
Nas proximidades de completar seus primeiros dois meses, lembro das famosas cólicas vesperais entre cinco e seis e trinta horas de toda tarde, sempre resultando em choros intermináveis, incontroláveis e sem remédio, exceto o tempo... Mas quando o sono chegava, a mágica se realizava, e lá estava a criaturinha na sua paz espiritual, exalando uma áurea invejável!
Pouco mais de três meses depois já era possível que a gente conseguisse ser visto, ser notado e, de certa forma, correspondido numa comunicação mínima, pois surgiram os primeiros sorrisos e com eles a grata compensação pelos dias anteriores de vigília.
Depois do quarto, quinto mês, o tempo voa, e já se conseguia vislumbrar algumas características e tendências: parece com o pai, para alguns; parece com mãe, para outros; tem o ronco do sono da mãe; tem o peito como dos homens da família da mãe; é organizado, como o pai; é zangado, como pai ou como a mãe? ; gosta ou não de fazer carinho; come muito e gosta de tudo, ou de quase tudo; adora “bater perna na rua”, como a mãe; e por aí vai, levando e somando toda nossa atenção, admiração e carinho...
E quando menos se esperava, muitas visitas médicas depois, ele já havia levado os primeiros tombos na busca dos primeiros passos, ou balbuciou sons indecifráveis que teimávamos em identificá-los como um pedir, um querer, um dizer, um mamá, um papá, um vovô, um vovó, um cocó, um loló, um quinquia, um eiti, um uuava, um bu, um abra etc.
Mais de um e menos de dois anos depois, em uma de suas “emburradas” chorando no colo da mãe sem querer dormir, eu ouvir suas palavrinhas mágicas:
- Papá! Papá!
Corri ao seu alcance, tirei-o do colo da mãe e ele se calou, sugando o “momom” no seu prazeroso nhonhonho...
O tempo passou (e está passando), e Deus realmente escreveu certo por linhas tortas, pois, se Ele não me deu uma Sofia, conseguiu, prazerosamente, me prender ao Bernardo Gregório.
FIM

terça-feira, 1 de julho de 2008

Cama feita

À noite, te procuro no leito...
Muito mais forte bate
A solidão no meu peito.

Vida vã

Trabalho em excesso,
Amor sem sexo,
Vida sem nexo.

domingo, 29 de junho de 2008

Ano de 1965, presumo


O tempo passou.
Se vi, não dei conta;
Se dei conta,
Não vi mas aqui estou.
Esse mesmo,
Da direita para esquerda,
De calção preto e camisa branca.

sábado, 28 de junho de 2008

Amor proibido

Idade medida,
vida prometida;
Mulher comedida,
vida proibida

Miopia

No tempo passado, dizia ela:
o amor era em demasia;
Agora descobri que ontem e hoje
sofro, pra variar, de miopia.

Assim seja

Fim de uma espera;
era, por evidência, enfim,
em mim, aquele que deseja;
seja, assim, uma breve espera!

Descaso

Expresso uma certa impetuosidade,
e ela, na sua retidão, deveras,
reconhece "que não é isso que esperas",
mas, nadinha, além da pura amizade.

Celular

Triiimmm...em plena reunião! Indignação!
- Alô, Maria! Dessa vez o que tu quer?
- Patroa, faço arroz com carne ou baião?

"Amorcite"

Amor explícito,
te deixa todo distraído;
já o amor implícito,
só te resta todo corroído
.

Feedback

Você me pergunta por que fujo?
Para evitar que me troques, novamente,

Por mais um porre do dito cujo!

Obrigado, Manuel Bandeira


Trabalho pouco, esforço-me menos ainda.
Mas gostaria de inventar palavras
Que traduzissem a indolência mais profunda
E mais cotidiana.
Não inventei, mas gostaria, o verbo preguiçar.
Intransitivo:
Preguiço, preguiça.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Perdido

Na multidão busco, sem ilusão,
aquela, dentre muitas, ainda,
que aprisionará este coração!

Simples

Menina, me dá um beijo.
Só assim, matarás, de uma só vez,
Minha sede, fome e desejo !

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Receita de cass(ç)ador

A Receita Federal
da terceira região
realizou um treinamento
pra tratar da isenção
com auditores do Ceará
do Piauí e Maranhão.

Foi escalado um instrutor
com muita preparação
conhecido por dr. Caubi
o cassador de isenção.

Originário da previdência
onde foi analista durão
até um pedido de madre Tereza
recebeu um sonoro não
e a assessora Cristina
referendou a decisão.

A representante legal
de uma sagrada instituição
de cunho beneficente
mas que sofrera exclusão
chegou a ele chorando
pedindo compaixão.

Em nome das criancinhas
que a gente sempre cuidou
peço clemência dr. Caubi
pois tudo desandou
depois do seu parecer
que nossa isenção cassou
reveja com o coração
essa sua decisão
que tudo precipitou.

Porém Caubi impenitente
não quis saber de explicação
ela disse esse desalmado
parece não ter coração
por isso vai ser cortado
da corrente de oração
com data retroativa
pra ele não tem perdão.

Quando chegar na outra vida
ele vai ter uma surpresa
São Pedro vai lhe tratar
com toda aspereza
pois negou até pedido
da Santa Madre Tereza.

Ele foi mentor intelectual
da lei 9732
por isso em seu texto
a adin assim propôs
favor dar ciência ao Caubi
para deixar de exigir
o que essa lei dispôs.

Encerro esta brincadeira
que é pura descontração
parabenizando o Caubi
pela preciosa instrução
para banir a pilantropia
do benefício da isenção.

Fortaleza, 24/08/07
Sérgio Guará

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O galeto mímico




Estávamos nós, eu e meu marido, fazendo um tour pela Europa, precisamente pela Suíça (Spiez, Interlaken, Berna e Zurique), Holanda (Amsterdam), Bélgica (Bruxelas e Brugges) e França (Paris), entre os dias 7 e 22 de setembro de 2007, quando aconteceu o fato a seguir relatado.
O passe de trem comprado por nós, aqui no Brasil (eurail pass, de 15 dias) realmente facilita o trânsito por vários países da Europa, dentre os quais, os acima referenciados. Após transitar pela Suíça e pela Holanda, resolvemos partir para Bruxelas, e de lá, pela proximidade, esticamos nosso passeio até a bela e pequenina cidade de Brugges, também na Bélgica.
Fizemos um belo tour a pé pelas ruas de Brugges, partindo da estação de trem, tempo em que conhecemos várias ruas, ruelas, praças, igrejas e canais, estes, que caracterizam, por excelência, o turismo nesta aconchegante cidade.
Pois bem, como disse anteriormente, o nosso tour redundou em se “passar sebo nas canelas” e se visitar, o quanto possível e enquanto a força física agüentasse, os pontos turísticos da cidade; neste esforço, visitamos a Torre do Campanário Belfry (marco da cidade desde os anos 1300), a Basílica do Sangue Sagrado (aonde existe uma urna contendo, supostamente, gotas coaguladas do sangue de Cristo), a Prefeitura (datada do final do século XIV e início do século XV) e o Lago do Amor (Minnewater Park).
Ao pé da letra, diria que batemos muito as pernas, num ir e vir constante... Assim, nada mais natural que o cansaço e a fome, a partir de certo tempo rodado (e que rodado!), passassem a prevalecer e arrefecer os ânimos, direcionando-nos a procurar um local para se fazer uma boquinha.
Mais umas passadas e nos deparamos com uma feirinha bem ao estilo de “veja, experimente e compre”; era tipicamente um mercado a céu aberto, com predominância de venda de roupas novas e usadas, barraquinhas de comes e bebes, e outros produtos típicos da região, a exemplo do delicioso chocolate belga.
Ao nos depararmos com um espaço vazio em um banco da pracinha do local da feirinha, meu marido não titubeou em sentar e arranhar seu francês de seis meses corridos, lançando ao ar seu estado de cansaço: je suis fatigué. Pronto! Sobrou para mim a missão de buscar a resolução do outro problema, o de matar a fome.
Percorrendo as barraquinhas de alimentos, deparei-me com uma que me interessava, visualizando nesta vários tipos de grelhados, a meu juízo, todos apetitosos. Então, restava-me manifestar, na língua local (francês ou belga), o desejo de transacionar com os barraqueiros. Bem, aí residiu o problema, pois sendo o nó francês ou belga, sequer me arrisquei a desatá-lo.
A fome nos arma de jeitos e trejeitos, mas mesmo assim, não conseguia identificar ao vendedor o grelhado que queria saborear...Era um “apontar” para aquele – não (com a cabeça e com os dedos negando); aquele outro – não; e por aí tentávamos chegar a um acordo, e nada!
Folheando um mini dicionário de francês, verifiquei a palavra porco e apontei para o vendedor, escusando-me de comprar tal grelhado; entretanto, não sei porque motivo, este não me entendia, tempo em que buscou ajuda através de mais dois outros vendedores, mas estes somente serviram para aumentar a “torre de Babel”.
Como uma idéia salvadora, lembrei-me de apelar para imitação do irracional grelhado pretendido. Foi quando, fechando as mãos, colocando os braços mais ou menos na forma de um “V” e os abrindo e fechando em direção ao corpo, consegui traduzir para o entendimento da língua francesa ou belga o desejo saciar o famoso galeto grelhado...
O resultado mais elementar do “cocorococó” mímico foi o ingresso imediato em curso de língua, não a francesa ou a belga, mas aquela que nos faz entender, presumo, em qualquer lugar do mundo, a inglesa – isto porque nem do “chicken” eu me lembrava...

FIM

O efeito do álcool no galego

Se a vida não me permitisse viver em comunidade, quer entre patrícios, quer entre outros estrangeiros, com certeza, o tempo me seria bastante ingrato. Viveria, quem sabe, numa “comunidade de Robinson Crusoé" em constantes movimentos nômades... O que se dizer, então, quando esta mesma vida me oferece a possibilidade de interação mútua, uma convivência mais estreita entre conterrâneos que, por força do destino, nos coloca longe de nossas origens, mas que, infelizmente, por desejos banais decorrentes da fraqueza carnal ou espiritual, termina em desabono das condutas morais antes vislumbradas?
Quando estou longe de minhas origens, em terras estrangeiras, a experiência me leva a buscar, na medida do possível, amizades com pessoas que, pelo menos, falam a nossa língua, visando, com isto, talvez, diminuir um pouco a ausência mais amiúde da terra natal; desejo, de início e, a partir daí, somente "matar a saudade" da sonoridade da língua. Entretanto, com passar do tempo, essa amizade desenvolve-se no sentido de uma relação mais próxima, diária, cordial, assistencial e, às vezes, por sermos brasileiros com características bem definidas no que tange aos laços fraternais, redunda essa relação num vínculo quase familiar, daí trazermos as pessoas para nosso recanto mais íntimo, nosso lar.
Conterrâneas que conheci na rotina do dia-a-dia da cidade longe da Pátria (mercado, ônibus, estação de trem, shows, rua etc), trouxe para dentro do meu lar, muitas vezes, embora apenas após um papo trivial, mas na esperança de, essencialmente, se ter, quem sabe, uma ajuda mútua, um ombro amigo, um conforto espiritual, ou mesmo, como se diz mais comumente, "para se trocar figurinhas".
Então, com o passar do tempo e a convivência mais estreita, sem muitas dificuldades, quando menos espero, estou dividindo com essa conterrânea a intimidade do meu lar: esta é minha casa, este é meu marido, este é meu filho, minhas coisas; aqui eu vivo, limpo, cozinho, lavo, cuido do meu filho, resumindo, faço às vezes da casa. Meu marido trabalha, sai cedo da manhã e volta somente à noite, fuma e bebe socialmente nos finais de semana; meu filho estuda; enfim, vivemos em paz, com saúde e a comodidade que Deus nos deu.
Talvez tenha ocorrido um pouco de excesso de confiança e de cordialidade de minha parte quando, sem procurar conhecer mais amiúde a respeito da conterrânea, ou mesmo por pensar que o fato da origem comum pudesse nos levar a concluir pela idêntica procedência do caráter moral, a trouxe, como se diz, "de supetão", à convivência do lar de minha família.
Se até o presente momento a verdade não se revelara, é porque o tempo não fora ainda suficiente a desmascarar a face imoral e pervertida que então se escondia nas entranhas mais perversas da natureza humana dessa conterrânea.
Bem ou mal, por conveniência ou comodidade material, ou pela busca de quem a sustente, ou, ainda, por pura fraqueza moral e espiritual, encontra-se a dita conterrânea casada e com filhos a criar. Identifiquei em sua fachada uma pessoa que tem também seus problemas de ordem material, que busca melhores condições de vida (o que, talvez, tenha motivado a casar com um estrangeiro, sem que tenha tido, quiçá, o sentimento próprio para tanto), e que, sem nenhuma discrição, é dada aos prazeres do álcool.
Todavia, a característica da hospitalidade brasileira e sua junção com a possibilidade de estender um ombro amigo à conterrânea, me fez convidá-la a frequentar mais vezes meu lar. Trocamos idéias, jogamos conversa fora, brincamos; ofereci-lhe uns lanches, uns drinques e, não mais tardar, até mesmo alguns pernoites, pois a casa em que dormem três, acomoda quatro, cinco...
Em um desses dias fatais, uma noite mais ou uma noite a menos não iria fazer diferença. Conversamos muito, comemos alguma coisa, bebemos o que tinha para beber, e as horas iam passando... No decorrer do tempo, supostamente, o corpo já não respondia aos impulsos da cabeça – é o álcool que começava a predominar sobre os sentidos. A conversa da conterrânea convidada já atropela, em parte, sua ação, que deveria ser comedida.
Na sala, na minha ausência momentânea, segue-se o assédio impróprio, indecoroso, desrespeitador, indecente, da conterrânea sobre o meu marido. Há a oferta verbal disso, daquilo e de outras coisas mais. E se já não bastassem as coisas ofertadas com palavras, eis que surge, como numa vitrine, a exposição visual das partes (mercadorias), que, diga-se, um tanto quanto depreciadas pelo tempo e, principalmente, pela falta de dignidade da conterrânea “comerciante”. A noite chega. É hora de acomodar as pessoas. Acomodaram-se...
O dia sucedeu a noite, amanheceu – nada mais trivial!
Ao amanhecer, toda dona de casa que se preza faz uma devida faxina nas dependências de seu lar: varre-se e limpa-se aqui, ali e acolá. O lixo acumulado de um dia para outro é, por demais, conhecido. Difícil mesmo é se procurar entender o aparecimento, após a virada dessa noite, de um preservativo ainda um tanto quanto umedecido...
Busco justificativas, mas encontro, no máximo e com muito senso de humanismo, apenas explicações.
Diz-se que a noite é uma criança, mas, às vezes, ela dá toda uma indicação de ter sido testemunha de um conluio de um pseudo-casal pervertido.
A suposta desculpa de que "na calada de uma noite regada a álcool as coisas acontecem", parece funcionar somente na mente daquelas pessoas que sequer resguardam uma moral mínima que se espera de uma pessoa casada e que fora convidada a adentrar no recinto familiar de um lar respeitado, ainda que antes aquela tenha aparentado possuir esse respeito, por si e pelos seus acolhedores. Lêdo engano!
A consideração e a amizade até então construída se esvaiu pelos mais ínfimos espaços possíveis, motivados que foram pela deselegância, desonestidade, oferecimento barato do próprio corpo em troca de uma aventura relâmpago puramente carnal e, principalmente, pelo excesso de confiança que depositamos nas pessoas que acolhemos como supostas "amigas".
A consciência (se é que se pode dizer da existência de uma consciência, neste caso) dessa conterrânea casada deveria avaliar a causa, extensão e efeito de sua ação, sabidamente, no mínimo, impensável. Reúno, aqui, alguns pontos que, de certa forma, podem auxiliar nessa sua autocrítica, a saber: devia ela pensar no prazer que tem uma legítima brasileira em ajudar uma conterrânea, abrindo as portas de sua casa, apresentando seu marido, seu filho, participando-a de um pouco de sua vida individual e a familiar; devia ela avaliar se o prazer momentâneo puramente carnal vale mais que alguns anos de convivência fraternal; aonde ela deverá buscar um novo ombro para chorar suas mazelas, pois conheço muito bem a frieza do estrangeiro; será que ela nunca pensou na possibilidade de uma responsabilização criminal ou civil decorrente de seu ato; e, se a vulgaridade de seu ato chegar ao conhecimento de seu marido, qual será sua reação?; será que tamanha desqualificação de conduta moral tinha o condão inicial de causar unicamente a desarmonia de uma família até então perfeita?; e, o que pensar, então, dos desígnios de Deus?
Questiono-me se tal atitude poderia ser uma tanto quanto relevada, quando tenho conhecimento que essa conterrânea, talvez, por imperativo do destino, teve a condição de ser privilegiada por uma educação que lhe oportunizou uma educação a ponto de não lhe permitir tamanha desventura; no entanto, sabendo-se que a dita concubina sempre alegou a paternidade de um suposto médico e que sempre teve anseio por uma formação de nível superior, então, com esse “perfil”, o que seria o mínimo a se esperar?
Por tudo, posso dizer que isto é o resultado da fragilidade humana (daquela que cede ao primeiro desejo da carne); mas, felizmente, louvou-me de minha própria atitude, eis que, com lampejos espirituais frequentes, tudo relevo, tudo perdôo, pois sei que o quinhão de cada um a Deus pertence.

FIM

terça-feira, 17 de junho de 2008

Aqui se aprende a defender a Pátria


O ano era o de 1978. Sol escaldante e calor de matar refletido no brilho peculiar do asfalto interno do 25º Batalhão de Caçadores (25º BC), em Teresina, capital do Estado do Piauí. Nesse clima extremamente pouco aprazível, estávamos nós, recrutas pela obrigação legal de se servir o Exército Brasileiro quando se completa os dezoito anos, na base da “ordem unida” e metidos em pesadas fardas, aprendendo a marchar, respeitar os superiores e defender a pátria – aliás, quanto a essa defesa, sua intenção era massificante, pois, no muro alto que delimitava essa caserna, estava escrito, em letras de um tamanho suficiente grande a se notar a uma distância razoável, a seguinte frase: aqui se aprende a defender a Pátria.
Como se sabe, o indivíduo fardado é conhecido geralmente pelo nome de guerra, representado pelo sobrenome (se o prenome for bastante comum) marcado em cima do bolso superior esquerdo da gandola, ou por um número, este, usado geralmente nas chamadas de controle interno feito pelos superiores que, quando gritavam, o recruta devia responder gritando o nome de guerra. Meu primo consagrou-se no meio da recrutada como sendo o soldado 605, mas que, na análise fria do seu físico de 58kg espalhados numa estatura de 1,70m, talvez, com maior critério na seleção dos recrutas, o mesmo pudesse ter sido dispensado por excesso de contingente – assim não foi, e o massacre psicológico durou, exatos, 365 dias.
É bem verdade que o soldado 605, apesar de sua discordância com a metodologia utilizada pelos militares para se “ensinar a defender a Pátria”, principalmente pelo constante apelo às humilhações, ainda assim, ao término de sua obrigação militar de um ano, saiu laureado com o “diploma de honra ao mérito”, título consagrado àqueles recrutas que não tinham cometido nenhum ato de desrespeito ou indisciplina que possibilitasse a imposição de um castigo – em 2008, portanto, trinta anos depois, se perguntassem ao exemplar soldado 605 sobre a utilização do referido diploma, a resposta seria única:
- Serviu-me tanto quanto o título da Rainha da Inglaterra!
Meu primo, soldado 605, costuma lembrar que seu maior sofrimento no exército não foi o físico, apesar de não ser nada prazeroso a “ordem unida” no calor de 40 graus, as marchas de até 56km, as guardas durante vinte quatro horas na guaritas etc, mas, o constante modo humilhante de se fazer valer a hierarquia militar. De lucro mesmo restou somente a habilitação da carteira de motorista, cujo exame não passou de um passeio no jeep militar, em linha reta, num trecho, ida e volta, de 50m – e só!
É fato que freqüentemente nos dirigíamos à zona rural do Município de Caxias (MA), aonde praticávamos o exercício de aprendizagem de acampamento, tiro e sobrevivência. Em um desses dias, por volta do meio-dia, correu o boato de que a Madalena estava em campo:
- Quem?
Perguntou o meu primo.
- A Madalena. Aquela que costuma freqüentar os arredores do quartel em busca de favores íntimos dos que lhe cai na graça...
- Não é possível! Como ela conseguiu chegar aqui, se estamos a 18km distantes de Teresina, praticamente no meio do mato?!
Confessamos coletivamente, eu, meu primo e o resto do pelotão que tomou conhecimento do fato: até hoje não sabemos como a Madalena chegou ao local em que nos encontrávamos, mas chegou, e fez a “festa” daqueles que a encurralaram no mato.
O boato se espalhou, chegou aos ouvidos daqueles que a conheciam, e estes correram mato adentro a procurá-la; encontraram-na e trataram de fechar o acordo, a contra gosto daquela, de como a satisfação pessoal íntima de cada um do pelotão se daria. Ao que nos lembra, éramos, naquele momento, creio, em torno de quinze recrutas, portanto, grupo suficientemente grande para não se chegar ao comum acordo de quem seria o primeiro – por lógico, não houve concordância e instaurou-se o conflito.
Apostando na sorte, ou, quem sabe, no suposto fato de que talvez sua aparência lhe fosse favorável, o soldado 605 apontou a idéia de que a própria Madalena escolhesse seu recruta número um, vale dizer, aquele que “abriria” o caminho para os demais. A par dessa idéia, e sabendo que fora disto somente a força física de todos contra todos poderia impor uma vontade pessoal, enfim, a recrutada assentiu peremptoriamente.
Perfilou-se a recrutada na parte inferior de um dos lados de um pequeno morro, enquanto a Madalena, do alto desse morro, passava a vista sobre a fileira dos recrutas à sua frente; ia e voltava com os olhos sobre a cara suada de cada um e, com um sorriso maroto inicial, apontou:
- É tu.
Escolhido, o soldado 659 subiu o pequeno morro, chegou ao seu cume e desceu até o outro lado, claro, carregando a Madalena... Não se viu ou ouviu absolutamente nada, mas, menos de dois minutos depois, apareceu, mais suado do que nunca, o soldado Campos, e, logo em seguida, a Madalena com seu olhar disposto a escolher outro recruta...
Pensava o soldado 605:
- “Agora é minha vez!”
Na segunda rodada de escolha, a Madalena preteriu o soldado 605 e outros treze, escolhendo, desta feita, o soldado 597, este, malandro por excelência, porém, segundo se soube posteriormente, já era um velho freguês daquela...
Sobe o recruta, a Madalena no cume, descem e escondem-se no outro lado do morro, se divertem e voltam suados...
Nas idas e vindas da Madalena e seus recrutas satisfeitos, morro acima e morro abaixo, morro acima e morro abaixo, criava-se à expectativa de quem seria o próximo... Meu primo, ansioso para subir e descer o morro, ao ser apontado pela Madalena, teve que se contentar em ser apenas o sétimo da vez, o que lhe permitiu usufruir um corpo mais que suado, mais que usado e mais que lubrificado...
A verdade é que a Madalena suportou, agüentou o pelotão inteiro, é claro, sem poder esconder os malefícios causados pelos derradeiros...
Ocorre que o boato da presença da Madalena no acampamento não foi privilégio unicamente dos recrutas, pois os superiores (cabos, sargentos e tenentes) também tomaram conhecimento de tal fato, o que resultou, como castigo aos recrutas, várias sessões extras de exercícios físicos com um rigor nunca visto, a exemplo de polichinelos, apoio de frente, corridas, subidas e descidas de morros, respostas aos gritos das perguntas dos superiores etc, e, diga-se, tudo isto sob um sol de rachar o quengo e após um almoço pífio feito às pressas e em pé...
Pense aí o que uma quenga pode fazer para satisfação dos desejos mais animalescos dos homens, digo, dos recrutas!

FIM

quinta-feira, 12 de junho de 2008

TV A CABO - Vejam até que ponto nós chegamos

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), entidade criada para organizar o setor de telecomunicações no Brasil, editou a Resolução n.º 488, de 3 de dezembro de 2007, com a intenção de regulamentar os serviços de TV a cabo no País, cuja data de início de validade da mesma seria 2 de junho de 2008, portanto, exatos seis meses após a sua publicação, o que permitiria um tempo bem razoável para adequação das prestadoras desses serviços e das condições essenciais sobre alguns pontos considerados discutíveis, a exemplo da gratuidade do ponto-extra, principalmente, claro, pelo lado das prestadoras desses serviços.
Pois bem. Passados os seis meses previstos para entrada em vigor da dita Resolução, eis que quando nós, consumidores, estávamos almejando usufruir da gratuidade do ponto-extra da TV a cabo em nossas casas, o Conselho da Anatel decidiu pela suspensão temporária, por dois meses, dos artigos 30 a 32 da mencionada Resolução, justamente os que tratam do ponto-extra, e pasmem, com a justificativa para tal decisão sendo a da impossibilidade do consenso quanto à interpretação desses dispositivos do Regulamento pelos diversos interessados envolvidos. Ratifico: foram seis meses para que se chegasse a essa falta de “consenso”.
Ao tempo das decisões judiciais que nos favoreceram, exatamente aquelas que motivaram à edição dos artigos 30 a 32 da Resolução Anatel n.º 488/2007, continuamos na mesma, ou seja, o Governo, vestido com pele da Anatel, se curvando aos interesses das prestadoras de serviços de TV a cabo...
Tenho uma experiência pessoal quanto a isto. Sendo assinante da Net Fortaleza, liguei, no início deste mês de junho, e pedi informações sobre o dito ponto-extra, ao que me foi informado que o ponto gratuito seria o chamado “ponto de extensão”, ou seja, você tem o direito de levar um ponto a qualquer outro ambiente de sua casa/apartamento, só que para você assisti-lo, por exemplo, no seu quarto, você terá que ligar a televisão do ponto central (por exemplo, a sala), isto é, você estará no quarto assistindo uma televisão e uma outra deverá também está ligada sem que ninguém esteja olhando para ela – é este o ponto gratuito que temos direito, à luz das prestadoras de TV a cabo, claro. Em resumo apertado: gastaremos energia elétrica dobrada para “curtir” um ponto gratuito!
Penso que não se precisa de um conhecimento avantajado para se constatar tamanho absurdo, mas, ao que parece, a Anatel está quase se curvando aos interesses privados das prestadoras de TV a cabo, pois só com muito esforço haveremos de criar uma nova expectativa positiva sobre essa tacanha demanda.
À propósito, na mesma decisão que redundou na suspensão dos mencionados artigos (vide Nota à imprensa, publicada no site da Anatel em 06/06/2008), o Conselho Diretor resolveu “de forma a preservar os direitos do consumidor previstos no Regulamento,” suspender “a possibilidade de cobrança por serviços relativos ao ponto-extra (instalação, ativação e manutenção da rede interna, especialmente)”, portanto, se não estou cometendo nenhuma interpretação estranha, creio que nestes próximos dois meses tenho direito ao ponto-extra (o verdadeiro, não o de extensão) totalmente gratuito, inclusive com relação ao valor da instalação. Assim, alô Net Fortaleza, quero meus pontos-extras gratuitos para hoje!

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Tristeza

Volúpia de um amor vil.
O tempo passa, passa,
e a gente finge que não viu.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Honestidade

É tudo lá do coração.
E seria por demais, enfim,
Solicitar, de dentro de mim,
por ti “menos admiração.”

Verdade

Meu sentimento é visível;
por mais que você não queira,
em mim, não encontrarás
esse "alguém menos sensível "

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Enrolador

Quando um homem quer uma mulher,
por honestidade, diz o que é e o que quer;
quando ele não quer essa mulher,
inventa o que não é e disfarça porque não quer.

Horizonte

Minha visão, na imensidão do mar.
Meu coração na terra vaga,
com desejo único de te amar.

Amor e vida

Espaço em branco
e coração vazio
são como o amor em pranto
e vida por um fio:
um perde o encanto,
o outro, da vida, o brio

Reclamação à Honda do Brasil e sua autorizada

Comprei um honda civic em agosto/2004. Em dezembro desse mesmo ano fiz minha primeira viagem de, aproximadamente, 1.500km; como na cidade em que estava, Buriti dos Lopes (PI), tinha muito calçamento nas ruas, identifiquei um barulho na dianteira do carro. Ao retornar a Fortaleza, procurei a autorizada Novaluz, que havia me vendido o carro, sendo nela identificado que o problema era na caixa de direção, neste sentido, foi feito um pequeno ajuste, mas nada ficou registrado naquela autorizada. Posteriormente, o carro apresentou o mesmo problema em 11 de janeiro de 2006, quando retornei à autorizada e foi feito um novo ajuste na caixa de direção, outra vez, sem ficar qualquer registro na autorizada Novaluz (embora eu tenha um comprovante de recebimento do carro por aquela, em que consta meu registro como sendo um “barulho na suspensão dianteira") – observa-se que esses dois ajustes foram realizados dentro do prazo de validade da garantia do honda civic (dois anos).
Em 05 de janeiro de 2007 retornei pela 3ª vez à autorizada Novaluz, sendo o carro recebido (tenho o comprovante de recebimento pelo técnico da empresa) com a seguinte discriminação do problema: "ruído na dianteira (cx. direção)"; o serviço foi feito pela terceira vez (apenas um ajuste na caixa de direção), e, também, sem que tenha sido registrado no computador da Novaluz.
Ocorre que, agora, em maio de 2008, o carro me deixou a pé dentro do estacionamento do meu trabalho; acionei meu seguro e foi constatado tratar-se defeito na bomba de gasolina, apesar do carro ter apenas 33.200km rodados. Assim, o honda civic foi rebocado até a autorizada Novaluz, que orçou e realizou o serviço trocando a bomba de gasolina por pouco mais de R$ 1.000,00.
Acresce que quando o carro estava na autorizada, lembrei de apontar novamente o retorno do problema da folga na caixa de direção e pedi para ser consertado, já que o carro ali se encontrava; entretanto, para minha surpresa, o técnico que me atendeu disse que como a garantia já havia findado, tal serviço ficaria em torno de R$ 500,00, pois haveria necessidade de se trocar o reparo da caixa de direção (agora já não era mais ajuste, mas a troca do reparo da mesma).
Acionei o SAC da Honda do Brasil e registrei todo esse relato, mas me foi respondido, por intermédio do consultor técnico chamado Adalberto, que, infelizmente, como não havia os registros dos atendimentos anteriores, a troca do reparo teria que ser paga.
Acreditei na simplicidade dos serviços realizados dentro do prazo de validade da garantia, e não exigi o registro dos ajustes, no entanto, agora estou no prejuízo!
Sinceramente, acho muito pouca coisa para a Honda do Brasil e sua autorizada Novaluz de Fortaleza se furtarem a realizar o serviço – uma troca de um reparo de um problema que surgiu logo aos 5 meses de uso do honda civic!
Por certo, no próximo ano, quando trocarei de carro, deverei me lembrar bastante dessa situação, principalmente pela grande oferta da concorrência, a exemplo do novo corolla, da Toyota.
Datando a reclamação: 4 de junho de 2008

terça-feira, 3 de junho de 2008

Superposição

Há perfeição no amor e no sexo
quando nos sentimos, assim,
como o côncavo e o convexo.

Silhueta

As retas de quaisquer triângulos
deixam muito a desejar quando
comparadas às curvas dos teus ângulos.

Ex-madrinha

Deixe de fantasiar,
Envolva-se neste meu “olhar”;
Não perca esta oportunidade;
Instantaneamente, pois, aprenderá,
Sem sombra de dúvida, nesta idade,
Entre outras coisas, a me amar.

Hai kai diversos

Quer um 96 diferente?
Pense na vida
e dê uma chance
a este teu fã caliente
.

Longe de ti, mesmo nesta cidade,
qualquer segundo na vida,
sem dúvidas, é uma eternidade

Por que causar uma dor,
se no coração transborda
a vontade de só te dá amor?

Não seja tão perversa!
Somente seu amor
me ajuda a sair dessa.

Sem amor igual,
com certeza, a sua felicidade ,
só quem pode dá o Cau!

Antes, me considerava
um grande amigo;
hoje, não me conformo
se não ficar comigo.

Pode não parecer,
mas desde muito,
só penso em você!

É neste amor de endoidecer
que disfarço, mas não evito,
o coração ficar a sua mercê.

Dói meu coração
viver esta vida
de passado e ilusão.

Pela sua “íntima” amizade,
torna-se irrelevante, quiçá,
seus trinta e poucos de idade .

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A sorte da ex-namorada

Nada mais interessante e prazeroso do que se pertencer a uma associação de classe, com abrangência nacional, que, dentre outros objetivos, patrocina eventos anuais no sentido de fazer o congraçamento de seus associados, seja para discussão de matérias pertinentes ao métier do desenvolvimento dos trabalhos do dia-a-dia, seja para promover a integração de seus membros, ou, ainda, para possibilitar um raro momento de lazer quando de seu encerramento, com a realização de um jantar dançante.
Meu primeiro contato com um evento dessa importância deu-se no ano de 1994, em Salvador (BA), local em que ocorreu o XI Encontro Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias, patrocinado pela associação nacional que congrega os servidores públicos dessa classe. Já nesse evento, debutei também com um namorico com uma colega de trabalho, paraibana, que lá por se encontrava, redundando, posteriormente, num namoro – durou algum tempo e depois se transformou em amizade.
Em meados do ano de 1995, por volta do dia 22 de agosto, estava eu arrumando as malas com destino à minha segunda participação em um evento dessa magnitude, precisamente, com destino à cidade de João Pessoa (PB), local aonde se realizaria a XV Convenção Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias, sob os auspícios de nossa associação mater – Associação Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias (Anfip).
Como era de se esperar, dei de encontro com minha ex-namorada e, sem qualquer seqüela por conta do rompimento do relacionamento anterior, tivemos boas conversas, inclusive, ela se dispondo a dar uma de cicerone, claro, com seu novo namorado a tiracolo.
Nos passeios das idas e vindas nos intervalos das palestras, ou no horário do almoço ou do jantar, quase sempre cruzava com a ex-namorada, tempo em que, quando isso ocorria no saguão de entrada do evento, ela aproveitava para me instigar a adquirir um chaveiro que concorreria ao sorteio de um carro que ali estava exposto (corsa sedan, zerado, modelo de lançamento, motor 1.4 cilindrada). Esse sorteio foi patrocinado pela Associação Paulista dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias, sendo que o ganhador do carro seria aquele que adquirisse um chaveiro e tivesse a sorte do número premiado (cada chaveiro custava R$ 25,00 e continha um número de 001 a 999).
Às constantes sugestões da ex-namorada para compra do chaveiro, sempre respondia negativamente. Era um tal de “compra que é barato”, “compra que tu podes ganhar”, “compra que o carro é bonito”, “tu não é miserável, compra”, “são só R$ 25,00” etc. Confesso, não sei se foi pela massificação da propaganda ou pelo “aluguel do meu ouvido”, o certo é que, no dia do sorteio, não resisti à tamanha estimulação: comprei o chaveiro, apesar da quase certeza de me considerar uma pessoa sem sorte, portanto, lá se foram meus vinte e cinco reais.
É claro, como me considerava um desafortunado, não olhava para carro como os outros 998 adquirentes do chaveiro, que, por certo, sonharam com sua propriedade nos quatro dias de exposição daquele. É bem verdade, ainda que não fôssemos, nem de longe, uma daquelas pessoas que acha dinheiro em calçada alta, mesmo assim, não custava nada dar uma olhadela transversal, en passant, no objeto de nosso investimento altamente duvidoso, por isso, não lembro, mas devo ter caído nessa tentação...
Meia-noite do dia 25 de agosto de 1995, dia do sorteio. Pára o baile. O jantar será servido depois, anuncia o chefe de cerimônia.
As regras do sorteio são expostas: o primeiro número a sair do globo será o da centena, portanto, descartavam-se, de imediato, 899 ou 900 concorrentes; o segundo número sorteado seria o correspondente ao da dezena, o que redundava em permanecer sonhando apenas 9 ou 10 dos adquirentes dos chaveiros; e, por final, o terceiro número tirado do globo, por ser o da unidade, fecharia a centena, podendo o sortudo, a partir daí, soltar seus foguetes.
Roda o globo, salta a bola e anuncia o chefe de cerimônia que 899 pessoas acabaram de perder vinte cinco reais, pois saiu a centena de número 7, portanto, restavam 100 concorrentes; retornam todas as bolas ao globo, roda, roda e se extrai aquela correspondente à dezena, dando zero – eu e mais nove candidatos a proprietário do carro fomos convidados a subir no palanque do salão de festa para, à vista de todos, assistirmos, torcermos e sonharmos com a posse definitiva do veículo; pela última vez, as dez bolas foram colocadas novamente no globo, novamente rodam, rodam desvairadamente, e uma acha o buraco da saída – de soslaio, ainda que por um instante em que o mistério de sua identidade era prolongado pelo chefe de cerimônia, tive a certeza de que aquela pontinha de número me era bem familiar.
Bem, não sei por onde andava minha ex-namorada no momento do anúncio da unidade final que compôs a centena sorteada, todavia, me vi entre muitos colegas do Ceará, alguns cabisbaixos, outros com a ilusão de que “bateram na trave”, os demais, com banho de cerveja, faziam a festa com o ganhador.
Se não fosse por ter achado, no aeroporto de Miami, um mês antes, uma pochette com 89 dólares dentro, e mais, quinze dias atrás dessa viagem, ter ganhado um vale-brinde, no valor de 150 dólares, gasto naquela cidade dos Estados Unidos, talvez, no sorteio do número 702, não tivesse me considerado sem sorte – é certo, depois encontrei minha ex-namorada e tive que agradecê-la, afinal, não é todo dia que se é forçado a ganhar um automóvel corsa sedan, zerado, modelo de lançamento, motor 1.4 cilindrada, à época, no valor de R$ 13.500,00.

FIM

A secretária, a dedada e o doce

Um dia de um ano qualquer perdido no tempo, à sombra de uma mangueira, mas com vento quente na cara, e traçando algumas comidinhas e bebidas sem muitas preocupações com a vida futura, estávamos jogando conversa fora com os parentes e amigos mais próximos.
Despretensiosamente a conversa fluía suavemente, com os “causos” de cada um se revelando a todo momento e, fruto das reminiscências passadas prazerosas, as gargalhadas se ouviam paulatinamente...
É curioso, mas entre os homens sempre existe uma estória de uma certa secretária doméstica que, extrapolando as suas obrigações caseiras pertinentes, atende aos ímpetos de uma curiosidade juvenil suscitada por conversas libidinosas e pelo próprio aparecimento crescente dos desejos sexuais pré-adultos.
Corria na cidade o boato de que a secretária moradora da casa de dona Maria era uma moça formosa, não bonita, mas com alguns predicados físicos comprovados pela silhueta de seu corpo. As línguas dos fofoqueiros mais afoitos espalhavam, nos encontros mais intimistas das conversas banais dos machos, que a dita cuja também gostava de se acoitar com aventuras sexuais com os sobrinhos de dona Maria, havendo, dentre estes, inclusive, aqueles que relatavam sua própria experiência vivida no escurinho de uma noite qualquer...
Um dia, influenciado pela propagação da boataria que rodava a cidade e, principalmente, pela inveja fruto da suposta experiência gozada por um outro parente seu, o Primo resolveu tentar se aventurar, de maneira sub-reptícia, pelas imagináveis curvas da secretária.
Aproveitando o cair da noite e a tranqüilidade proporcionada pelo sono dos demais, o Primo revelou todo seu trejeito de detetive ou de ladrão quando, assuntando o ambiente que o cercava, descalço e pisando em ovos, se dirige ao recinto em que, em sono profundo, dormia a secretária.
Era evidente que a escuridão reinante no quarto não permitia qualquer semelhança com uma penumbra, o que, se assim fosse, possibilitaria usufruir, ainda que de forma precária, também da imagem do então objeto de desejo do Primo. Restava assim, procurar desvendar aquele desiderato por meio do sentido do tato.
Deitada na rede transversalmente, dormia a secretária. Sono profundo, quiçá, sonhos vãs...
Ainda que protegido pela calada da noite, todavia sem se descuidar dos esmeros pertinentes à empreitada tentadora, o Primo se aproxima do conjunto “baladeira” e secretária, e, em face da improvável, mas possível, desconfiança de ser pego, digamos, em flagrante delito, treme as mãos e palpita fortemente seu coração.
Mais que aguçado o tato, sua mão toca na rede, descendo a partir do lado inferior do punho, entretanto, a princípio, sem identificar que parte da secretária sentirá primeiro. O coração dispara, o suor chega.
Sem janela, o quarto não é só quarto, serve de despensa; encontra-se abafado. A secretária não economiza na inspiração e na respiração. O cheiro circula preso dentro do quarto, o Primo sente.
Risco calculado, impetuosidade idem. Segue-se o interstício das descobertas.
Ao que interessava, deu sorte, pois aleatoriamente o tato da mão acusou os dedos do pé; deslizou pelo pé, tocou o tornozelo, subiu pela canela, passando pelo joelho e chegando às curvas lisas da coxa prolongada e bastante separada da outra; demorou, alisou, sentiu, tirou suas conclusões e partiu...
A secretária dormindo estava, dormindo continuou, embora com ligeiros movimentos que sequer demonstravam a intenção de despertar. Bons presságios.
Aventurou-se o Primo. Invadindo terreno pecaminoso, tateou os pêlos da genitália da secretária, que teimava em manter-se afastada de seu estado normal de vontade e consciência – permanecia, quiçá, sonhando.
O anonimato da noite, o sono pesado e o sucesso de até então impulsionam o desejo desproporcional do Primo, eis que, numa volúpia momentânea, com um dos seus dedos desfere golpe crucial em direção ao centro da genitália da secretária.
Ato contínuo, não há sono que resista. A secretária, sobressaltada e apavorada, e como desperta por um balde de água fria em plena frescura noturna, toma de surpresa o braço do Primo e diz:
- Menino, que diabo de saliência é esta?
O Primo, desta feita, totalmente desarmado e já sem as devidas vantagens que o levaram até o momento imediatamente anterior àquela momentânea volúpia, saiu-se com a simplória resposta:
- Maria, aonde está a lata de doce de Buriti?

FIM

Dinheiro fácil em Brasília

Às vezes, a busca de melhorias em nossa vida nos faz nômades entre vários lugares, assim, como que perambulando à procura de lugar ao sol. E isto se apresenta mais marcante ainda quando, dentre muitas situações, se estar na idade em que, primeiro, nossos pais nos direcionam a cortar definitivamente o cordão umbilical da sustentação econômica de até então, e, segundo, quando a constituição pessoal de família nos empurra para assumir as responsabilidades atribuídas àquela.
Lembro-me que minha situação pessoal enquadrava-se perfeitamente na segunda situação, eis que, fruto de um casamento não programado, mas abreviado pela desconfiança do porvir (aliás, diga-se, fato não confirmado – mas já era tarde), enfrentei a mudança temporária, porém cheia de expectativas, do deslocamento do calor de quarenta graus de Teresina para o clima seco e de umidade sofrível de Brasília. Fui, por assim, dizer, com a cara, a coragem e uns trocados equivalentes a um salário mínimo, não mais do que isso.
Tive, como era de se esperar, deslumbramento inicial pela arquitetura e plano urbanístico diferenciado da capital do País e, depois de algum tempo, constatei a reconhecida identidade do Distrito Federal como sendo, talvez, a única cidade do mundo em que não existem esquinas (pelo menos no que tange ao seu Plano Piloto, que é, comumente nas demais cidades, o que conhecemos como centro da cidade).
Do Plano Piloto, ao que me interessava, visitei seus pontos turísticos: a Catedral de Brasília, o Congresso Nacional, o Memorial JK, a Torre, a Rodoviária etc.
Decorei os trajetos e números dos ônibus, em essência, aqueles que partiam da cidade satélite de Sobradinho (24km distante do Plano Piloto), local em que me encontrava hospedado, e chegavam na Rodoviária – nunca me perdi ou peguei a “linha” errada.
Meu primeiro contato com uma possibilidade de emprego na Capital Federal, além daqueles vislumbrados nos concursos públicos, deu-se mediante anúncios de jornais. Li vários, grifei alguns e me dirigi ao endereço de poucos.
Um dia voltei de uma entrevista de emprego um tanto quanto aborrecido e enganado, pois, além do anúncio do jornal não ter dado qualquer indicação de que o emprego era relacionado a vendas, a entrevistadora tentou-me convencer a engrossar, como vendedor, as fileiras da empresa que ela representava – não sei se tal desiderato foi por conta da identidade de meu sobrenome com o de seus ascendentes distantes, aliado, quiçá, ao seu pieguismo, ou porque ela sentiu que um economista recém-formado daria perfeitamente conta do recado como vendedor. Não foi dessa vez que me tornei vendedor, aliás, com respeito aos que abraçam tal profissão, se fosse depender dela, eu morreria!
No mesmo dia em que retornei desenganado da malfadada entrevista, percorrendo o trecho entre a Catedral de Brasília e a Rodoviária, observei um grupo de pessoas ao redor de uma mesa improvisada – eram pessoas de aparências humildes, e, àquela hora, por volta das quatro da tarde, já bastante castigadas pelos efeitos da baixa umidade brasiliense.
Pois bem, quis a curiosidade que me aproximasse, tempo em que constatei se tratar de um jogo de aposta composto de três tampinhas, cujo mérito do ganhador estaria em descobrir, após vários deslocamentos frenéticos simultâneos das tampinhas, em qual delas se encontrava uma pedrinha colocada embaixo de uma delas. À primeira vista, não restava dúvida, o lance de se descobrir qual das tampinhas guardava a pedrinha parecia evidente, principalmente porque os olheiros que circulavam ao redor da mesa, além de apontarem, sempre sopravam, nos ouvidos dos interessados na aposta, aquela tampinha premiada.
Os olhos aguçados diretamente nas tampinhas, o assédio e assessoria descarada dos olheiros, bem como a possibilidade de um ganho fácil motivaram-me a tentar materializar a sorte, cuja visualização do acerto se apresentava cristalina. No meio tempo entre tirar a mão do bolso com o dinheiro e lançar-me à sorte, ainda tive a certeza do ganho sem esforço, sem demora, pois observei o sucesso de alguns em rodadas anteriores das tampinhas.
Com acuidade, mirei o jogo das mãos deslocando as tampinhas, fixei a premiada, reservei o dinheiro do ônibus, abri um sorriso de ganhador e apostei o restante.
Quinze minutos depois, o ônibus 513 (Plano Piloto – Sobradinho) já não me levava mais, porém o que restou de minha sorte. Sentado à janela, na poltrona rígida de material durável, olhava ao além, resmungando dentro e comigo mesmo. Do além, já noite, caí na realidade – é que os olheiros estavam mancomunados com o dono da mesa, pois após apontarem a tampinha premiada, imediatamente chamavam nossa atenção soprando ao ouvido e dizendo que iríamos ganhar, tempo em que o dono da mesa, com agilidade de um gatuno, mudava a posição das tampinhas sem que nós percebêssemos. É claro, o que havia observado como sucesso de alguns em rodadas anteriores à minha, na verdade, era o falso ganho dos olheiros...
FIM