quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A casa da Rua Dr. Raimundo da Paz

Com muito esforço e auxílio do seu patrão, meu pai comprou uma casa localizada no Bairro dos Noivos, em Teresina (PI), nas proximidades onde hoje está localizado o Teresina Shopping. Um terraço com jardim, três bons quartos, uma sala grande, uma cozinha modesta (que logo foi aumentada por imposição de minha mãe), uma dispensa e apenas um banheiro social pequeno (no fundo do quintal existia um outro banheiro mais modesto ainda) foi onde moramos por um longo tempo, aproximadamente vinte anos.
Quando chegamos neste local, bem na frente da casa existia uma pequena área descampada (hoje é uma praça), que aproveitamos, eu e os moleques da vizinhança, para transformá-la em um campinho de peladas diárias; como no mesmo não existia grama, era areia fina e quase preta, após as peladas, ao retornar para minha casa, vínhamos parecendo um tição, de tão preto, ao que minha mãe retrucava para não entrarmos pela porta principal, mas pelo corredor que exista na lateral da casa – nas palavras de minha mãe, eu parecia o “cão quando vinha do inferno!”
Dúvida não há de que, dessa residência, as lembranças mais fortes são aquelas ligadas às peladas do campinho da frente, bem como as que passaram a ocorrer quando a empresa Veículos e Motores S.A - Vemosa resolveu colocar à disposição da comunidade o seu campo de futebol localizado na Avenida João XXIII, em frente ao prédio da empresa e pertinho de nossa casa. Neste campo eu consegui organizar e fazer vários campeonatos de peladeiros e, além de presidir esses campeonatos, particularmente tinha também meu próprio time, o Internacional, que rivalizava-se “no pau” com o Cruzeiro da Rua Pereira da Costa, vizinha à nossa (time organizado e mantido pelos amigos Paulo e Flávio (vulgo “soim”), irmãos do locutor esportivo de rádio Odílio Teixeira. O interessante desses campeonatos é que, quando comecei a organizá-los, nós éramos moleques de doze a dezesseis anos, mas os goleiros poderiam ser de qualquer idade, pois as traves do campo eram de tamanho quase oficial, portanto, um moleque não daria conta de fechar a baliza.
Posteriormente, quando já “crescido”, com mais de dezesseis anos, passei a organizar esses campeonatos para times adultos, e os mesmos ultrapassaram os limites do Bairro dos Noivos, pois passou a contar com times de outros bairros, a exemplo dos Bairros de Fátima, Piçarra, São João (o chamado “Macacal”), Piçarreira e Satélite. A fórmula era simples: contribuição financeira inicial de cada time para bancar os custos de aquisição das taças (campeão, vice e goleador) e outra contribuição, meio a meio por time, a cada jogo, para bancar o valor da arbitragem do juiz.
Dos peladeiros mais contumazes, minhas lembranças se reportam aos goleiros Júnior (vulgo ”Pirão”) e Raimundinho da dona Neide (vulgo ”Odélio”), ambos com boas e importantes defesas, mas, muitas vezes, ficaram marcados pelos “frangos” homéricos que “engoliram”; desses dois, o “Odélio” parecia sentir mais os efeitos dos “frangos”, pois quando isto acontecia era difícil convencê-lo a voltar a jogar nas partidas seguintes – o tempo, para ele e para os torcedores de seu time, era o remédio para o esquecimento de sua desgraça.
Se até os jogos oficiais, com árbitros que estudam e se formam especificamente para a profissão, acontece falhas berrantes, como então no nosso tempo isto também ia deixar de acontecer? Claro que ocorreram muitas falhas desses “juízes de várzea”, e o problema ganhava dimensões geométricas quando os erros aconteciam favorecendo meu time (e eu, o organizador do campeonato), aí, sabe como é, o coro era quase unânime em me acusarem, de forma direta, em tentar persuadir o “árbitro” – confesso, sem qualquer peso de consciência, que nunca tive ou pretendi qualquer vantagem defesa perante aqueles colegas “juízes”, muito menos promovi qualquer interesse particular que viesse prestigiar outro time.
Dessa época me vem à lembrança os esforços pessoais e coletivos que fazia para comprar as camisas do time: fazia rifa, pedia uma modesta contribuição dos colegas peladeiros (a grande maioria deles tão pobre quanto eu) e, quando reunia os recursos suficientes, comprava as camisas brancas (a mais barata possível), o tintol vermelho (para tinturá-las) e a tinta acrilex branca para eu mesmo desenhar o escudo do Internacional e, por final, para forçar a contribuição, quem sempre começava jogando (os onze escalados) eram aqueles que haviam contribuído para o custeio das camisas. Se não me falha a memória, uma única vez conseguimos as camisas doadas por um terceiro, acho, Armazém Paraíba; afora essa vez, tudo era fruto de nossos próprios esforços pessoais, juntando migalhas de um e de outro.
Foi o melhor período de minha adolescência, sem dúvidas!