segunda-feira, 2 de junho de 2008

A sorte da ex-namorada

Nada mais interessante e prazeroso do que se pertencer a uma associação de classe, com abrangência nacional, que, dentre outros objetivos, patrocina eventos anuais no sentido de fazer o congraçamento de seus associados, seja para discussão de matérias pertinentes ao métier do desenvolvimento dos trabalhos do dia-a-dia, seja para promover a integração de seus membros, ou, ainda, para possibilitar um raro momento de lazer quando de seu encerramento, com a realização de um jantar dançante.
Meu primeiro contato com um evento dessa importância deu-se no ano de 1994, em Salvador (BA), local em que ocorreu o XI Encontro Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias, patrocinado pela associação nacional que congrega os servidores públicos dessa classe. Já nesse evento, debutei também com um namorico com uma colega de trabalho, paraibana, que lá por se encontrava, redundando, posteriormente, num namoro – durou algum tempo e depois se transformou em amizade.
Em meados do ano de 1995, por volta do dia 22 de agosto, estava eu arrumando as malas com destino à minha segunda participação em um evento dessa magnitude, precisamente, com destino à cidade de João Pessoa (PB), local aonde se realizaria a XV Convenção Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias, sob os auspícios de nossa associação mater – Associação Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias (Anfip).
Como era de se esperar, dei de encontro com minha ex-namorada e, sem qualquer seqüela por conta do rompimento do relacionamento anterior, tivemos boas conversas, inclusive, ela se dispondo a dar uma de cicerone, claro, com seu novo namorado a tiracolo.
Nos passeios das idas e vindas nos intervalos das palestras, ou no horário do almoço ou do jantar, quase sempre cruzava com a ex-namorada, tempo em que, quando isso ocorria no saguão de entrada do evento, ela aproveitava para me instigar a adquirir um chaveiro que concorreria ao sorteio de um carro que ali estava exposto (corsa sedan, zerado, modelo de lançamento, motor 1.4 cilindrada). Esse sorteio foi patrocinado pela Associação Paulista dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias, sendo que o ganhador do carro seria aquele que adquirisse um chaveiro e tivesse a sorte do número premiado (cada chaveiro custava R$ 25,00 e continha um número de 001 a 999).
Às constantes sugestões da ex-namorada para compra do chaveiro, sempre respondia negativamente. Era um tal de “compra que é barato”, “compra que tu podes ganhar”, “compra que o carro é bonito”, “tu não é miserável, compra”, “são só R$ 25,00” etc. Confesso, não sei se foi pela massificação da propaganda ou pelo “aluguel do meu ouvido”, o certo é que, no dia do sorteio, não resisti à tamanha estimulação: comprei o chaveiro, apesar da quase certeza de me considerar uma pessoa sem sorte, portanto, lá se foram meus vinte e cinco reais.
É claro, como me considerava um desafortunado, não olhava para carro como os outros 998 adquirentes do chaveiro, que, por certo, sonharam com sua propriedade nos quatro dias de exposição daquele. É bem verdade, ainda que não fôssemos, nem de longe, uma daquelas pessoas que acha dinheiro em calçada alta, mesmo assim, não custava nada dar uma olhadela transversal, en passant, no objeto de nosso investimento altamente duvidoso, por isso, não lembro, mas devo ter caído nessa tentação...
Meia-noite do dia 25 de agosto de 1995, dia do sorteio. Pára o baile. O jantar será servido depois, anuncia o chefe de cerimônia.
As regras do sorteio são expostas: o primeiro número a sair do globo será o da centena, portanto, descartavam-se, de imediato, 899 ou 900 concorrentes; o segundo número sorteado seria o correspondente ao da dezena, o que redundava em permanecer sonhando apenas 9 ou 10 dos adquirentes dos chaveiros; e, por final, o terceiro número tirado do globo, por ser o da unidade, fecharia a centena, podendo o sortudo, a partir daí, soltar seus foguetes.
Roda o globo, salta a bola e anuncia o chefe de cerimônia que 899 pessoas acabaram de perder vinte cinco reais, pois saiu a centena de número 7, portanto, restavam 100 concorrentes; retornam todas as bolas ao globo, roda, roda e se extrai aquela correspondente à dezena, dando zero – eu e mais nove candidatos a proprietário do carro fomos convidados a subir no palanque do salão de festa para, à vista de todos, assistirmos, torcermos e sonharmos com a posse definitiva do veículo; pela última vez, as dez bolas foram colocadas novamente no globo, novamente rodam, rodam desvairadamente, e uma acha o buraco da saída – de soslaio, ainda que por um instante em que o mistério de sua identidade era prolongado pelo chefe de cerimônia, tive a certeza de que aquela pontinha de número me era bem familiar.
Bem, não sei por onde andava minha ex-namorada no momento do anúncio da unidade final que compôs a centena sorteada, todavia, me vi entre muitos colegas do Ceará, alguns cabisbaixos, outros com a ilusão de que “bateram na trave”, os demais, com banho de cerveja, faziam a festa com o ganhador.
Se não fosse por ter achado, no aeroporto de Miami, um mês antes, uma pochette com 89 dólares dentro, e mais, quinze dias atrás dessa viagem, ter ganhado um vale-brinde, no valor de 150 dólares, gasto naquela cidade dos Estados Unidos, talvez, no sorteio do número 702, não tivesse me considerado sem sorte – é certo, depois encontrei minha ex-namorada e tive que agradecê-la, afinal, não é todo dia que se é forçado a ganhar um automóvel corsa sedan, zerado, modelo de lançamento, motor 1.4 cilindrada, à época, no valor de R$ 13.500,00.

FIM

A secretária, a dedada e o doce

Um dia de um ano qualquer perdido no tempo, à sombra de uma mangueira, mas com vento quente na cara, e traçando algumas comidinhas e bebidas sem muitas preocupações com a vida futura, estávamos jogando conversa fora com os parentes e amigos mais próximos.
Despretensiosamente a conversa fluía suavemente, com os “causos” de cada um se revelando a todo momento e, fruto das reminiscências passadas prazerosas, as gargalhadas se ouviam paulatinamente...
É curioso, mas entre os homens sempre existe uma estória de uma certa secretária doméstica que, extrapolando as suas obrigações caseiras pertinentes, atende aos ímpetos de uma curiosidade juvenil suscitada por conversas libidinosas e pelo próprio aparecimento crescente dos desejos sexuais pré-adultos.
Corria na cidade o boato de que a secretária moradora da casa de dona Maria era uma moça formosa, não bonita, mas com alguns predicados físicos comprovados pela silhueta de seu corpo. As línguas dos fofoqueiros mais afoitos espalhavam, nos encontros mais intimistas das conversas banais dos machos, que a dita cuja também gostava de se acoitar com aventuras sexuais com os sobrinhos de dona Maria, havendo, dentre estes, inclusive, aqueles que relatavam sua própria experiência vivida no escurinho de uma noite qualquer...
Um dia, influenciado pela propagação da boataria que rodava a cidade e, principalmente, pela inveja fruto da suposta experiência gozada por um outro parente seu, o Primo resolveu tentar se aventurar, de maneira sub-reptícia, pelas imagináveis curvas da secretária.
Aproveitando o cair da noite e a tranqüilidade proporcionada pelo sono dos demais, o Primo revelou todo seu trejeito de detetive ou de ladrão quando, assuntando o ambiente que o cercava, descalço e pisando em ovos, se dirige ao recinto em que, em sono profundo, dormia a secretária.
Era evidente que a escuridão reinante no quarto não permitia qualquer semelhança com uma penumbra, o que, se assim fosse, possibilitaria usufruir, ainda que de forma precária, também da imagem do então objeto de desejo do Primo. Restava assim, procurar desvendar aquele desiderato por meio do sentido do tato.
Deitada na rede transversalmente, dormia a secretária. Sono profundo, quiçá, sonhos vãs...
Ainda que protegido pela calada da noite, todavia sem se descuidar dos esmeros pertinentes à empreitada tentadora, o Primo se aproxima do conjunto “baladeira” e secretária, e, em face da improvável, mas possível, desconfiança de ser pego, digamos, em flagrante delito, treme as mãos e palpita fortemente seu coração.
Mais que aguçado o tato, sua mão toca na rede, descendo a partir do lado inferior do punho, entretanto, a princípio, sem identificar que parte da secretária sentirá primeiro. O coração dispara, o suor chega.
Sem janela, o quarto não é só quarto, serve de despensa; encontra-se abafado. A secretária não economiza na inspiração e na respiração. O cheiro circula preso dentro do quarto, o Primo sente.
Risco calculado, impetuosidade idem. Segue-se o interstício das descobertas.
Ao que interessava, deu sorte, pois aleatoriamente o tato da mão acusou os dedos do pé; deslizou pelo pé, tocou o tornozelo, subiu pela canela, passando pelo joelho e chegando às curvas lisas da coxa prolongada e bastante separada da outra; demorou, alisou, sentiu, tirou suas conclusões e partiu...
A secretária dormindo estava, dormindo continuou, embora com ligeiros movimentos que sequer demonstravam a intenção de despertar. Bons presságios.
Aventurou-se o Primo. Invadindo terreno pecaminoso, tateou os pêlos da genitália da secretária, que teimava em manter-se afastada de seu estado normal de vontade e consciência – permanecia, quiçá, sonhando.
O anonimato da noite, o sono pesado e o sucesso de até então impulsionam o desejo desproporcional do Primo, eis que, numa volúpia momentânea, com um dos seus dedos desfere golpe crucial em direção ao centro da genitália da secretária.
Ato contínuo, não há sono que resista. A secretária, sobressaltada e apavorada, e como desperta por um balde de água fria em plena frescura noturna, toma de surpresa o braço do Primo e diz:
- Menino, que diabo de saliência é esta?
O Primo, desta feita, totalmente desarmado e já sem as devidas vantagens que o levaram até o momento imediatamente anterior àquela momentânea volúpia, saiu-se com a simplória resposta:
- Maria, aonde está a lata de doce de Buriti?

FIM

Dinheiro fácil em Brasília

Às vezes, a busca de melhorias em nossa vida nos faz nômades entre vários lugares, assim, como que perambulando à procura de lugar ao sol. E isto se apresenta mais marcante ainda quando, dentre muitas situações, se estar na idade em que, primeiro, nossos pais nos direcionam a cortar definitivamente o cordão umbilical da sustentação econômica de até então, e, segundo, quando a constituição pessoal de família nos empurra para assumir as responsabilidades atribuídas àquela.
Lembro-me que minha situação pessoal enquadrava-se perfeitamente na segunda situação, eis que, fruto de um casamento não programado, mas abreviado pela desconfiança do porvir (aliás, diga-se, fato não confirmado – mas já era tarde), enfrentei a mudança temporária, porém cheia de expectativas, do deslocamento do calor de quarenta graus de Teresina para o clima seco e de umidade sofrível de Brasília. Fui, por assim, dizer, com a cara, a coragem e uns trocados equivalentes a um salário mínimo, não mais do que isso.
Tive, como era de se esperar, deslumbramento inicial pela arquitetura e plano urbanístico diferenciado da capital do País e, depois de algum tempo, constatei a reconhecida identidade do Distrito Federal como sendo, talvez, a única cidade do mundo em que não existem esquinas (pelo menos no que tange ao seu Plano Piloto, que é, comumente nas demais cidades, o que conhecemos como centro da cidade).
Do Plano Piloto, ao que me interessava, visitei seus pontos turísticos: a Catedral de Brasília, o Congresso Nacional, o Memorial JK, a Torre, a Rodoviária etc.
Decorei os trajetos e números dos ônibus, em essência, aqueles que partiam da cidade satélite de Sobradinho (24km distante do Plano Piloto), local em que me encontrava hospedado, e chegavam na Rodoviária – nunca me perdi ou peguei a “linha” errada.
Meu primeiro contato com uma possibilidade de emprego na Capital Federal, além daqueles vislumbrados nos concursos públicos, deu-se mediante anúncios de jornais. Li vários, grifei alguns e me dirigi ao endereço de poucos.
Um dia voltei de uma entrevista de emprego um tanto quanto aborrecido e enganado, pois, além do anúncio do jornal não ter dado qualquer indicação de que o emprego era relacionado a vendas, a entrevistadora tentou-me convencer a engrossar, como vendedor, as fileiras da empresa que ela representava – não sei se tal desiderato foi por conta da identidade de meu sobrenome com o de seus ascendentes distantes, aliado, quiçá, ao seu pieguismo, ou porque ela sentiu que um economista recém-formado daria perfeitamente conta do recado como vendedor. Não foi dessa vez que me tornei vendedor, aliás, com respeito aos que abraçam tal profissão, se fosse depender dela, eu morreria!
No mesmo dia em que retornei desenganado da malfadada entrevista, percorrendo o trecho entre a Catedral de Brasília e a Rodoviária, observei um grupo de pessoas ao redor de uma mesa improvisada – eram pessoas de aparências humildes, e, àquela hora, por volta das quatro da tarde, já bastante castigadas pelos efeitos da baixa umidade brasiliense.
Pois bem, quis a curiosidade que me aproximasse, tempo em que constatei se tratar de um jogo de aposta composto de três tampinhas, cujo mérito do ganhador estaria em descobrir, após vários deslocamentos frenéticos simultâneos das tampinhas, em qual delas se encontrava uma pedrinha colocada embaixo de uma delas. À primeira vista, não restava dúvida, o lance de se descobrir qual das tampinhas guardava a pedrinha parecia evidente, principalmente porque os olheiros que circulavam ao redor da mesa, além de apontarem, sempre sopravam, nos ouvidos dos interessados na aposta, aquela tampinha premiada.
Os olhos aguçados diretamente nas tampinhas, o assédio e assessoria descarada dos olheiros, bem como a possibilidade de um ganho fácil motivaram-me a tentar materializar a sorte, cuja visualização do acerto se apresentava cristalina. No meio tempo entre tirar a mão do bolso com o dinheiro e lançar-me à sorte, ainda tive a certeza do ganho sem esforço, sem demora, pois observei o sucesso de alguns em rodadas anteriores das tampinhas.
Com acuidade, mirei o jogo das mãos deslocando as tampinhas, fixei a premiada, reservei o dinheiro do ônibus, abri um sorriso de ganhador e apostei o restante.
Quinze minutos depois, o ônibus 513 (Plano Piloto – Sobradinho) já não me levava mais, porém o que restou de minha sorte. Sentado à janela, na poltrona rígida de material durável, olhava ao além, resmungando dentro e comigo mesmo. Do além, já noite, caí na realidade – é que os olheiros estavam mancomunados com o dono da mesa, pois após apontarem a tampinha premiada, imediatamente chamavam nossa atenção soprando ao ouvido e dizendo que iríamos ganhar, tempo em que o dono da mesa, com agilidade de um gatuno, mudava a posição das tampinhas sem que nós percebêssemos. É claro, o que havia observado como sucesso de alguns em rodadas anteriores à minha, na verdade, era o falso ganho dos olheiros...
FIM