quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Maria!

Maria,
teu filho eliminou mais um.
A facadas,
desvairadas,
revoltadas,
pela luta,
de viver
ou de morrer,
aqui mesmo,
nesse inferno,
sem verão,
só inverno.
Muito frio,
na pele,
no sangue,
no prato vazio.
Você lamenta,
e se atormenta,
e chora,
e continua,
na lida,
“da vida sofrida”,
de peito aberto,
pro mundo,
pro perigo
de mais um feto,
que mais tarde,
no chão que arde,
desse país tropical,
será também, marginal.
E aos teus ouvidos,
aquelas palavras,
virarão lugar comum.
Maria,
teu outro filho
matou mais um.

Obrigado, meu alter ego

Um vôo, um desejo


Corria o final da penúltima década do Século XX, e a constância do exercício de uma rotina bancária tediosa (caixa de banco) fez meu primo tentar alçar novos vôos, quem sabe, mais prazerosos, eis que o mesmo se submete a um exame para fazer um curso de pós-graduação em administração bancária.
Concorrendo com quatro outros colegas do banco, conseguiu meu primo lograr aprovação sem maiores dificuldades, o que lhe possibilitou ausentar-se de seu domicílio por um período de dez meses consecutivos, migrando, nesse tempo, para uma outra capital distante da sua aproximadamente 4.000 km, mas com direito a um descanso de sete dias a cada pouco mais de dois meses.
Nesse tempo, meu primo já tinha passado para o lado dos casados, o que, como aplicação indireta do curso, teria que “administrar” a ausência de sua então cara-metade nesses intervalos de pouco mais de dois meses intercalados com os dos descansos.
Ainda que se avinhasse a famosa crise dos sete anos, a verdade é que, nessa época, meu primo não tinha, pelo menos aparentemente, motivos para se preocupar com a ausência bimensal do calor daquela que o acompanhava por quase oito anos.
Da despedida da primeira partida, lembrava meu primo dos olhos inchados daquela que ficou para trás, a chorar na poltrona do saguão do aeroporto, e já, desde então, contando os dias do retorno...
Enquanto meu primo se acomodava na poltrona do avião, já com a tranqüilidade de quem fazia seu segundo vôo, pensava nos momentos prazerosos vividos nos últimos dias que antecedeu sua viagem, bem como maquinava os planos para o próximo encontro com os seus e com aqueles que o esperava na cidade do curso, afinal, seriam longos dez meses sem a convivência familiar, mas tendo que aprender a dividir seu espaço com um colega de quarto, e com outros trinta, nos espaços comuns do curso.
Sustentado por seus pensamentos, meu primo curtiu a viagem de ida, sem sequer perceber as turbulências que normalmente ocorrem nas imediações do espaço aéreo entre Brasília e Goiânia – nada perturbava seus planos e convicções, e a vida lhe parecia um mar de rosas.
Dois meses se passaram rapidamente, e no natal, lá estava meu primo curtindo aqueles que lhe tinham sentimento fraternal, sentimental e íntimo.
Sete dias se passaram voando, e a obrigação do curso o fez retornar, restando-lhe, na retina, mais uma vez, a imagem de um rosto marcado pelos olhos inchados pelo choro de quem não queria ser abandonada por mais dois meses...Decola o avião, e com ele os pensamentos do meu primo relembravam os momentos vividos de maneira intensa, sem reparos.
Nos dois meses seguintes, meu primo tentou encurtar a distância com muitas ligações telefônicas: algumas não completadas; outras sequer atendidas; muitas perguntas, algumas sem respostas satisfatórias... Entre alguns momentos telefônicos de ternura e de paz, outros não terminavam bem. Imaginava meu primo que se tratava de uma suposta liberdade que, aparentemente, não o permitia ventilar qualquer questionamento... Teve início o ciclo de uma frustração iminente.
Atordoado pelas frustrações de algumas ligações telefônicas duvidosas, mas com a esperança de um acerto de contas harmonioso, meu primo encontrava-se pensativo no avião, buscando explicações que acalentassem suas expectativas, principalmente porque, em poucas horas, estaria nos braços dos seus e da sua...
Meu primo acredita que essa semana foi a mais curta, pelas expectativas da espera que as coisas acontecessem, e, ao mesmo tempo, a mais longa, pelos resultados frustrantes que recebeu das coisas não acontecidas...
No avião, de retorno pela terceira vez à cidade do curso, a dez mil metros de altura, meu primo remoia os desejos não correspondidos da semana passada: no primeiro dia, alguns carinhos comedidos incompreensíveis; no segundo dia, explicações afetivas sem justificação prática; no terceiro dia, o amor sentido sem amor...(no terceiro dia!).
O avião balançava sob a turbulência de praxe; na poltrona da janela, quase que escondendo a cara com remorso de si mesmo, meu primo aparentava um descontrole inusitado: calado com seus pensamentos, apresentava uma coragem assustadora, pois, fazendo pouco caso da turbulência aérea, vislumbrava uma possível abreviação de seu sofrimento com a queda do avião...
Três anos depois do curso, na praia e de peito pra acima, encontrava-se meu primo tomando água de côco com outras meninas, desta feita, usufruindo a liberdade individual de uma vida que não foi ceifada pela queda do avião...
FIM