sábado, 22 de agosto de 2009

Chico Panelada

Outra lembrança dessa época beira o ridículo: tinha, talvez, por volta de uns oito ou nove anos, e me atormentava o fato de passar pelas imediações da casa do Chico Panelada – era um vizinho nosso, um ano mais velho, de corpo um pouco mais avantajado que o meu e o do meu irmão mais novo; é que o mesmo, sempre que possível, nos ameaçava bater ou coisa que o valha, e, medrosos como éramos, evitávamos esse desagradável encontro, sempre, e, ao apontarmos na rua, ficávamos à espreita da presença do Chico Panelada, resultando, muitas vezes, em se ter de apelar para as canelas... Mas, que eu lembre, nunca apanhei, até mesmo porque sempre corríamos, pois o medo de enfrentá-lo era bem maior.

O medo do dentista
Sinceramente, não posso culpar, jamais, minha mãe pelo sorriso que tenho, pois seria isto uma injustiça extrema. Explico: como se fosse hoje, lembro daquela ladainha maternal diária azucrinando meus ouvidos com a sentença que, à época, me soava como castigo, qual seja, “hoje é dia de dentista”. Quantos subterfúgios usei para não ir a tal encontro, e quantas vezes torci para que o dentista não comparecesse! Enquanto isso, as cáries iam consumindo a beleza de um sorriso... É duro se reconhecer o que o medo de um dentista pode causar às pessoas, e mais duro ainda é se providenciar recursos financeiros para tentar minimizar os efeitos desse medo... O tempo passou, e as seqüelas ficaram!

Umas malandragens no primário
A lembrança das aulas do primário me remete ao Grupo Escolar Monsenhor Roberto Lopes, que funcionava no mesmo prédio aonde existe o Colégio Clóvis Salgado. Lá eu cursei minhas primeiras letras; lá eu me revelei um aluno um tanto quanto medíocre, pois, quase sempre, mesmo estudando numa sala com uma irmã, todos os dias eu fugia antes do término da aula, usando o artifício de sair por debaixo de uma cortina que isolava a sala de aula do corredor, e, quando chegava em casa e minha mãe perguntava pela irmã, respondia que ela tinha ficado para trás, conversando com suas colegas... O resultado da esperteza foi notório e previsível: reprovação no 2º ano primário!

A primeira paixão
Por último, não deixo de relembrar aquilo que considero a primeira paixão (se é que um garoto de oito ou nove anos pode assim se sentir, apaixonado). A suposta paixão tinha nome e endereço: morava na mesma rua, numa casa quase em frente à minha, e atendia pelo nome de Justina. De minha casa, escondido no jardim atrás de alguma coisa, ficava à sua espreita, esperando a oportunidade de vê-la. De constrangedor me vem à memória o fato de que na rua em que morávamos não passava o carro do lixo, o que nos obrigava a levar o resíduos domésticos a um local próximo, uns trezentos metros; ocorre que, algumas vezes, meu pai me escolhia para tal fim, implicando, assim, em transitar pela rua com uma lata de querosene cheia de lixo na cabeça– e aí residia meu tormento, pois, mais do que nunca, antes de tomar o rumo da rua, eu dava uma geral pelas imediações para ver se a menina dos meus olhos não estava na porta ou passeando por ali; confesso que fiquei vermelho algumas vezes quando o encontro foi inevitável, pois, para os meus pais, não havia qualquer desculpa para a não execução do serviço naqueles momentos... Era um tormento! Ainda quando morávamos em Parnaíba, a família da Justina se mudou para Belo Horizonte, e dela nunca mais tive notícias, como também nunca soube se ela nutria algum sentimento por mim – talvez tudo tenha sido meu primeiro sentimento platônico!