sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Os sapatos debaixo da cama


O ano era o de 1996. Meu primo, sem maiores preocupações como a vida, usufruía uma posição econômica privilegiada, eis que, sem os grilhões de uma vida marital, e no exercício de um cargo público com status de carreira típica de Estado, recebia mensalmente algo em torno de quarenta salários mínimos.
Por certo era um excelente salário e, ainda que meu primo vivesse em apartamento alugado, mas pelo fato de não beber e nem fumar, sobrava-lhe o suficiente para adquirir o que o capitalismo (selvagem, diga-se) lhe oferecia: produtos de marcas, claro, mas supérfluos, com certeza.
Na esteira das sobras mensais, respaldado na falsa ilusão do rendimento da poupança, e enquanto passeava em um shopping center, meu primo não conseguiu resistir a uma promoção de venda de carro novo e, assim, comprou seu segundo automóvel zero km, mesmo já tendo um outro com pouco mais de um ano de uso.
Às suas despesas rotineiras juntou-se àquela proveniente do asilo dado a uma conterrânea, cujo interesse particular era o de trabalhar para tentar alçar vôos próprios.
Por essa época, meu primo, sem motivos que o impedissem de voar, constantemente era requisitado a fazer viagens a trabalho em outras cidades do País, tempo em que, solícito, cedia seu carro mais velho (um ano e pouco de uso) à sua conterrânea, que o utilizava, com zelo, para os fins que desejasse.
Pois é, a conterrânea sabia usufruir as benesses do meu primo: curtia o carro cedido da maneira que lhe aprouvesse e, de vez em quando, surrupiava a chave do carro novo para ir trabalhar, ou sabe lá Deus o que mais. Aliás, quanto à utilização do carro novo para ir trabalhar, meu primo confessa que isto foi inovação da conterrânea...
Era fácil para o meu primo controlar, quando se ausentava, a utilização do carro novo, bastando para isto apenas fazer a devida anotação da kilometragem rodada, a ser conferida no retorno.
Entretanto, algo não batia com seu juízo quando o mesmo se deparava com seus sapatos e chinelos elegantemente desarrumados debaixo da cama, isto porque era sua praxe deixá-los sempre alinhados na borda da cama ou junto à parede. Mistério!
O primo, como quase todos os nordestinos, sempre recebia visitas em seu apartamento, e, um dia, uma delas soprou no ouvido dele que a conterrânea, muitas vezes, talvez cansada de dirigir, resolvia curtir melhor as comodidades do “próprio” apartamento.
Acuada na parede pelo meu primo-patrão, a secretária doméstica entregou o serviço completo: nas viagens do primo-patrão, a conterrânea se dizia, ao pé da letra, dona do pedaço, pois arrotava sua propriedade, recebia os amigos e namorados e, quem sabe, alegava aos seus o favor que estava fazendo em acolher meu primo como inquilino.
A conterrânea, cotidianamente, dormia em dos quartos que continha duas camas de solteiro e um colchão de sobra. Todavia, na ausência do primo e na presença dos namorados (um de cada vez, em dias diferentes, penso), era mais elementar poupar os esforços físicos inúteis de se juntar as camas, guardando-se essa energia para ser aproveitada na suíte com cama de casal, ar-condicionado, televisão, vídeo cassete e uma pizza entregue em domicílio.
Um dia, após a sessão amorosa, ela arrumou a suíte, limpou o banheiro, tirou as manchas de catchup dos aparelhos de televisão e de vídeo cassete, mas esqueceu de alinhar todos os sapatos e chinelos do primo que, quando não viajava, ali dormia...
FIM