segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Mulheres, ah! as mulheres

Um dia desses qualquer, de um tempo perdido no tempo, meu primo meteu-se a filosofar sobre as atribulações de seu ser relativamente ao conforto sentimental desejado pelas mulheres que entraram, saíram e, por certo, entrarão no seu universo cotidiano de macho “pegador”.
Espichado numa rede de tucum, sob à sombra de um cajueiro, meu primo ora se queixava dos percalços das limitações de uma convivência comum com uma (única, diga-se) mulher em um mesmo teto, ora se lembrava dos encantos que o sexo oposto trazia ao deleite do seu corpo quando livre para voar, sem obrigações e com muitas tentações à vista...
Pesando e sopesando os argumentos das queixas e das lembranças, meu primo, um tanto quanto desolado, lamentava a carência de qualquer prescrição para um porvir que lhe apaziguasse o ego, pois, quanto aos seus percalços, apesar de já desde o início as limitações da convivência indicarem a mesmice de um cotidiano simplório, ainda assim ela lhe trazia o conforto de uma “paz” social livre das possíveis vicissitudes da liberdade desregrada; todavia, quanto aos encantos dos livres sexos opostos, meu primo vislumbrava o prazer de cada descoberta, desde o primeiro contato, as tentativas, os erros e acertos, e a intimidade comum posterior que quase sempre daí redundava – entretanto, mesmo neste precário nirvana temporário, ele não descuidava de apontar o chamado “the day after”, e aqui residia sua interrogação: quem vai cuidar de mim quando meu corpo já não se conformar mais com as seqüelas dos anos passados?
E eu, no meu canto, pensativo, murmurando e ruminando com minhas próprias convicções, ora pendia para as queixas dos percalços, por sua vida mais duradoura e pela possibilidade de um amparo à velhice, ora para as lembranças dos encantos do sexo feminino em variedades, embora, quase sempre, volúveis...
Balançando em sua rede, vez por outra, com a visão perdida no horizonte, meu primo parecia afogado em suas próprias dúvidas atrozes – homem de meia-idade, econômico e profissionalmente equilibrado – eis que não conseguia identificar firmemente sua posição civil; por conta disso, bufava, ensimesmava-se e se via enublado pela fumaraça do seu cigarro.
Resignando-me a saber o veredicto do destino filosófico de meu primo, diga-se, sobre o qual ele chegou a respeito de si mesmo, não resisti a perguntar-lhe:
- E então, meu primo, vai decidir se conformar com as queixas ou os encantos variados do sexo oposto te seduziram?
Ato contínuo, amparado por um estalo iminente desabrochado imediatamente após a última baforada do cigarro, meu primo filosofou:
- Sei não, primo, acho que vou rezar e esperar aquela que, demandada pela oferta de uma queixa sem lembrança, garanta-me que, da porta para fora, não lhe interessa o que eu faça, desde que, da porta pra dentro, não lhe falte nada.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O último será o primeiro

Já relatei em crônica anterior (A sorte da ex-namorada) que não me considero uma pessoa de sorte, ou pelo menos, de muita sorte; acresce que alguns acontecimentos têm teimado em apontar para a negação dessa afirmação, como o caso a seguir transformado nesta crônica.
Com a fusão da Secretaria da Receita Federal com a Secretaria da Receita Previdenciária houve a necessidade da concentração da, a partir de então, Secretaria da Receita Federal do Brasil em um único local, o que, pela estrutura já montada, redundou na transferência dos auditores-fiscais antes lotados na sede do INSS da Rua Pedro Pereira, para a sede da antiga Receita Federal, localizada à Rua Barão de Aracati esquina com Rua Pereira Filgueiras.
De estacionamento diminuto, aos usuários que quisessem usufruir da comodidade de certa segurança para os de seus meios de transportes, havia a necessidade de se chegar com bastante antecedência ao local de trabalho, o que implicava em reduzir o horário do sono matinal em, pelo menos, quinze minutos, e o do almoço em quase meia hora, este, para aproveitar as vagas dos funcionários que saiam às treze horas.
Como se sabe, o transporte particular, ainda que com a frescura do ar condicionado, não evita o estresse do dia-a-dia, mormente quando se tem conhecimento das precárias condições das vias públicas de Fortaleza (CE), seja pelas suas quantidades e dimensões, ou, o que é pior, pela educação de nossos motoristas. O resultado desse cotidiano massificante não poderia ser outro: estresse em alta, eis que, no meu caso, embora com uma pequena distância diária a percorrer, algo em torno de doze quarteirões, ou mil e duzentos metros, aliada ao horário do rush, gastava quase vinte minutos para cumprir esse trecho.
Restou-me, então, para evitar aquela doença, adquirir um imóvel nas proximidades do local do trabalho, o que fiz em suaves vinte e seis prestações – da minha sala de labor, pela janela do quarto andar, tive o prazer de acompanhar, diuturnamente, a partir do esqueleto da quinta laje, o que seria, ao final, com sucesso, um espigão de vinte e dois andares com quarenta e quatro unidades individuais.
Os termos contratuais da aquisição do imóvel tinham uma particularidade inovadora relativamente à comercialização desse tipo de produto: no dia da inauguração do prédio, os proprietários (exceto os investidores, num total de onze) que estivessem em dia com as obrigações financeiras junto à Construtora, concorreriam aos seguintes prêmios: carro (1º), geladeira (2º), fogão (3º), máquina de lavar roupas (4º) e microondas (5º).
Dentro do prazo acordado, a Construtora entregou a obra, marcando a inauguração para 29 de julho de 2009, às 19:30 horas (missa), e 20:30 horas (coquetel); nesta data, presentes os interessados e familiares, a coordenação do evento determinou as regras do sorteio dos prêmios: cada proprietário de apartamento, a partir do 101, seria identificado por um número seqüencial de 1 a 33, sendo todos esses números colocados num globo, e o sorteio se daria com a retirada das bolas, sendo premiados os últimos cinco números que restassem no globo.
Iniciado o sorteio, via-se, à medida que as bolas eram retiradas do globo, as alegrias dos que ficavam diretamente proporcionais às tristezas de outros que saiam. Já nas primeiras bolas retiradas, minha mesa, composta de seis pessoas, começou a ficar na penumbra de uma tristeza repentina, restando aos excluídos do globo à solidariedade de torcer pelo único membro remanescente. Passadas várias rodadas de exclusões, e após três condôminos serem agraciados com prêmios menores, restaram, ao grande prêmio final, dois números de dois concorrentes distintos, quais sejam, o seis e o dezesseis.
O sorteio final mereceu uma visualização especial, o que fez a coordenação do evento chamar os portadores dos números seis e dezesseis ao pequeno palco improvisado na festa de inauguração. Então, com o auxílio de uma criança, a coordenação do evento anunciou o penúltimo ganhador, portador do número dezesseis, que, com um sorriso bem discreto, agradeceu pela economia relativa à desnecessidade de comprar uma geladeira nova.
Confesso que, tempos atrás, mesmo na condição de solteiro, tive na garagem, à minha disposição, dois carros; exceto pela besta vaidade, não consigo vê alguma utilidade nisto – assim, não querendo me passar novamente por uma pessoa fútil, transformei o número seis em reais equivalente a um montante um pouco menor do que ele valia comercialmente.
Será que tem tanta sorte mesmo uma pessoa que, entre trinta e três, é a última que tem seu número retirado de um globo! E se consideramos que geralmente os sorteios são pelo primeiro que sai...

Chiquinha Lidu


Do tempo passado, resta-me a saudade, com mais intensidade, da minha vó materna, Chiquinha Lidu.
Das lembranças mais marcantes ressalto aquela de sua pequena casinha, simples, diga-se, aconchegante, sem dúvida. No cruzamento de duas ruas, eu diria que a casinha dela ficava localizada no que hoje considero a esquina mais pobre, entretanto, sequer existe mais. Um pequeno terraço, dois pequeninos quartos, uma salinha e uma cozinha menor ainda, assim posso resumir, se a memória não me falha, o lar de muitas das minhas férias prazerosas. Em contraste com as dimensões diminutas da casa, o quintal era relativamente grande, onde se destacava um pé de manga de sabor incomparável e cujo nome não se conseguiu identificar, uns pés de caju, algumas goiabeiras, muitos pés de cana e, de recordação inesquecível, um pequeno poço de água doce bem próximo da “latada” (pequena cobertura feita de palha de carnaúba) construída como extensão da cozinha; esse poço tinha uma água extremamente cristalina, na verdade, aparentava bem azulzinha, e era usada para se beber e cozinhar, e quando era a estação das chuvas, sua vazão era tão intensa que sua água transbordava (ainda que no período sem chuvas, bastava um balde e um pedaço de corda de um metro para se colher sua água).
Era na “latada” que minha vó atuava com prazer com seus dotes culinários, e, apesar do longo tempo decorrido dessas férias, não me falta a memória quanto ao meu prato predileto por ela preparado: feijão verde com arroz feito à base de tempero verde (folha de cebolinha e coentro), cebola e o inigualável azeite de côco, e, claro, cozido à lenha numa pequenina panela de ferro que servia apenas duas pessoas. O resultado dessa mistura gastronômica era facilmente percebível quando minha vó levantava a tampa da panela, pois o tempero subia para a parte superior do feijão com arroz e o cheiro acirrava nosso desejo de “matar” a fome – pronto, de acompanhante o feijão com arroz ao azeite de côco se transformava no prato principal, e o ovo de galinha caipira, estrelado (frito) com azeite de côco, completava o simples cardápio perfeito.
À tardinha, após uma pequena sesta, minha vó pegava seu instrumento de trabalho e passava o resto da tarde no terraço confeccionando, milimetricamente e com uma rapidez assustadora no manuseio dos bilros, alguns centímetros de renda, a ser utilizada em confecção de cama, mesa ou banho próprios, ou para vender a terceiros.
Infelizmente, em decorrência de uma vizinha que não lhe nutria amores, e que quando de passagem pela frente da casa se esmerava em tossir às alturas e escarrar, minha vó não teve outra alternativa que não vender sua pequena casinha, e, a partir daí, como que uma praga lhe dirigida, passou o resto da vida praticamente com “as malas na cabeça”, uma vez que as constantes mudanças de residências integraram-se ao seu cotidiano.
Hoje, da casinha de minha vó não resta nenhum sinal, mas no quintal, salvo ação atual mais perversa, restou o pé de caju...