terça-feira, 16 de novembro de 2010

Chiquinha Lidu


Do tempo passado, resta-me a saudade, com mais intensidade, da minha vó materna, Chiquinha Lidu.
Das lembranças mais marcantes ressalto aquela de sua pequena casinha, simples, diga-se, aconchegante, sem dúvida. No cruzamento de duas ruas, eu diria que a casinha dela ficava localizada no que hoje considero a esquina mais pobre, entretanto, sequer existe mais. Um pequeno terraço, dois pequeninos quartos, uma salinha e uma cozinha menor ainda, assim posso resumir, se a memória não me falha, o lar de muitas das minhas férias prazerosas. Em contraste com as dimensões diminutas da casa, o quintal era relativamente grande, onde se destacava um pé de manga de sabor incomparável e cujo nome não se conseguiu identificar, uns pés de caju, algumas goiabeiras, muitos pés de cana e, de recordação inesquecível, um pequeno poço de água doce bem próximo da “latada” (pequena cobertura feita de palha de carnaúba) construída como extensão da cozinha; esse poço tinha uma água extremamente cristalina, na verdade, aparentava bem azulzinha, e era usada para se beber e cozinhar, e quando era a estação das chuvas, sua vazão era tão intensa que sua água transbordava (ainda que no período sem chuvas, bastava um balde e um pedaço de corda de um metro para se colher sua água).
Era na “latada” que minha vó atuava com prazer com seus dotes culinários, e, apesar do longo tempo decorrido dessas férias, não me falta a memória quanto ao meu prato predileto por ela preparado: feijão verde com arroz feito à base de tempero verde (folha de cebolinha e coentro), cebola e o inigualável azeite de côco, e, claro, cozido à lenha numa pequenina panela de ferro que servia apenas duas pessoas. O resultado dessa mistura gastronômica era facilmente percebível quando minha vó levantava a tampa da panela, pois o tempero subia para a parte superior do feijão com arroz e o cheiro acirrava nosso desejo de “matar” a fome – pronto, de acompanhante o feijão com arroz ao azeite de côco se transformava no prato principal, e o ovo de galinha caipira, estrelado (frito) com azeite de côco, completava o simples cardápio perfeito.
À tardinha, após uma pequena sesta, minha vó pegava seu instrumento de trabalho e passava o resto da tarde no terraço confeccionando, milimetricamente e com uma rapidez assustadora no manuseio dos bilros, alguns centímetros de renda, a ser utilizada em confecção de cama, mesa ou banho próprios, ou para vender a terceiros.
Infelizmente, em decorrência de uma vizinha que não lhe nutria amores, e que quando de passagem pela frente da casa se esmerava em tossir às alturas e escarrar, minha vó não teve outra alternativa que não vender sua pequena casinha, e, a partir daí, como que uma praga lhe dirigida, passou o resto da vida praticamente com “as malas na cabeça”, uma vez que as constantes mudanças de residências integraram-se ao seu cotidiano.
Hoje, da casinha de minha vó não resta nenhum sinal, mas no quintal, salvo ação atual mais perversa, restou o pé de caju...