terça-feira, 16 de novembro de 2010

O último será o primeiro

Já relatei em crônica anterior (A sorte da ex-namorada) que não me considero uma pessoa de sorte, ou pelo menos, de muita sorte; acresce que alguns acontecimentos têm teimado em apontar para a negação dessa afirmação, como o caso a seguir transformado nesta crônica.
Com a fusão da Secretaria da Receita Federal com a Secretaria da Receita Previdenciária houve a necessidade da concentração da, a partir de então, Secretaria da Receita Federal do Brasil em um único local, o que, pela estrutura já montada, redundou na transferência dos auditores-fiscais antes lotados na sede do INSS da Rua Pedro Pereira, para a sede da antiga Receita Federal, localizada à Rua Barão de Aracati esquina com Rua Pereira Filgueiras.
De estacionamento diminuto, aos usuários que quisessem usufruir da comodidade de certa segurança para os de seus meios de transportes, havia a necessidade de se chegar com bastante antecedência ao local de trabalho, o que implicava em reduzir o horário do sono matinal em, pelo menos, quinze minutos, e o do almoço em quase meia hora, este, para aproveitar as vagas dos funcionários que saiam às treze horas.
Como se sabe, o transporte particular, ainda que com a frescura do ar condicionado, não evita o estresse do dia-a-dia, mormente quando se tem conhecimento das precárias condições das vias públicas de Fortaleza (CE), seja pelas suas quantidades e dimensões, ou, o que é pior, pela educação de nossos motoristas. O resultado desse cotidiano massificante não poderia ser outro: estresse em alta, eis que, no meu caso, embora com uma pequena distância diária a percorrer, algo em torno de doze quarteirões, ou mil e duzentos metros, aliada ao horário do rush, gastava quase vinte minutos para cumprir esse trecho.
Restou-me, então, para evitar aquela doença, adquirir um imóvel nas proximidades do local do trabalho, o que fiz em suaves vinte e seis prestações – da minha sala de labor, pela janela do quarto andar, tive o prazer de acompanhar, diuturnamente, a partir do esqueleto da quinta laje, o que seria, ao final, com sucesso, um espigão de vinte e dois andares com quarenta e quatro unidades individuais.
Os termos contratuais da aquisição do imóvel tinham uma particularidade inovadora relativamente à comercialização desse tipo de produto: no dia da inauguração do prédio, os proprietários (exceto os investidores, num total de onze) que estivessem em dia com as obrigações financeiras junto à Construtora, concorreriam aos seguintes prêmios: carro (1º), geladeira (2º), fogão (3º), máquina de lavar roupas (4º) e microondas (5º).
Dentro do prazo acordado, a Construtora entregou a obra, marcando a inauguração para 29 de julho de 2009, às 19:30 horas (missa), e 20:30 horas (coquetel); nesta data, presentes os interessados e familiares, a coordenação do evento determinou as regras do sorteio dos prêmios: cada proprietário de apartamento, a partir do 101, seria identificado por um número seqüencial de 1 a 33, sendo todos esses números colocados num globo, e o sorteio se daria com a retirada das bolas, sendo premiados os últimos cinco números que restassem no globo.
Iniciado o sorteio, via-se, à medida que as bolas eram retiradas do globo, as alegrias dos que ficavam diretamente proporcionais às tristezas de outros que saiam. Já nas primeiras bolas retiradas, minha mesa, composta de seis pessoas, começou a ficar na penumbra de uma tristeza repentina, restando aos excluídos do globo à solidariedade de torcer pelo único membro remanescente. Passadas várias rodadas de exclusões, e após três condôminos serem agraciados com prêmios menores, restaram, ao grande prêmio final, dois números de dois concorrentes distintos, quais sejam, o seis e o dezesseis.
O sorteio final mereceu uma visualização especial, o que fez a coordenação do evento chamar os portadores dos números seis e dezesseis ao pequeno palco improvisado na festa de inauguração. Então, com o auxílio de uma criança, a coordenação do evento anunciou o penúltimo ganhador, portador do número dezesseis, que, com um sorriso bem discreto, agradeceu pela economia relativa à desnecessidade de comprar uma geladeira nova.
Confesso que, tempos atrás, mesmo na condição de solteiro, tive na garagem, à minha disposição, dois carros; exceto pela besta vaidade, não consigo vê alguma utilidade nisto – assim, não querendo me passar novamente por uma pessoa fútil, transformei o número seis em reais equivalente a um montante um pouco menor do que ele valia comercialmente.
Será que tem tanta sorte mesmo uma pessoa que, entre trinta e três, é a última que tem seu número retirado de um globo! E se consideramos que geralmente os sorteios são pelo primeiro que sai...