terça-feira, 14 de outubro de 2008

A mulher de vida confortável

Das muitas pessoas que conheço, poucas têm a vida mais confortável do que minha prima. Sem muita riqueza material, muito menos ainda financeira, baliza sua vida pelo cotidiano mais que apropriado de uma cidade do interior: comer, bater perna na rua, fofocar e dormir – vale dizer, tudo sem qualquer tipo preocupação.
Uma pequena cronologia da vida de minha prima me permite constatar sua origem relativamente farta, principalmente se considero o padrão das necessidades supridas das demais pessoas que formam o universo das que a rodeiam.
De pais com alguma posse, na verdade, minha prima pouco ou quase nada teve que fazer para prover sua própria providência de subsistência, porém, reconheço que a mesma, presentemente e já desde uns doze anos para trás, vive às expensas de uma aposentadoria de um salário mínimo oriunda de sua condição de professora primária, embora, diga-se, sem nunca ter manuseado sequer uma barra de giz! Explico: fruto do famoso “jeitinho brasileiro”, quando na atividade de professora primária, minha prima sempre arrumou uma maneira, com a conivência de seus chefes, de nunca se ausentar da secretaria da escola em que lecionava, ou seja, já por essa época, ficavam os seus supostos alunos a verem navios...
É certo que minha prima soube escolher suas amizades; e isto noto quando levo em conta aquela residência em que, costumeiramente, cotidianamente e diariamente, ela busca suprir suas necessidades atuais de comer, beber, prosear, dar pitaco e, com certeza, de querer fazer as vezes de dona do pedaço...
Da porta da rua para dentro de sua casa não vislumbro suas atividades, mas permito-me imaginar a trivialidade de suas ações: acordar, levantar, assear-se, arrumar-se e pronto – rua. Vejo-me vendo-a, na sua pisada levemente despreocupada, em direção à sua “menina dos olhos”, parada obrigatória para suas três refeições diárias principais (café, almoço e janta), e, talvez, para as demais também (lanches matutino, vespertino e noturno). De longe, de minha calçada, dou um alô: “e aí, coroa véia!”, e arrisco, contido entre os meus parentes, um sussurro velado: “já vai, eh!” Em resposta, sempre, um aceno cordial.
Às vezes, da porta da casa do meu primo, sigo seus passos, observo seu deslocamento, destaco seu capacete castanho claro achatado e concluo que, como a mim, aos outros também saltam os olhos o estilo de vida dela. É que os comentários, maliciosos ou não, partem, inclusive, de seus próprios parentes de segundo grau, que não se cansam de apontar a leveza da falta de preocupação com o porvir de tal criatura.
De todo, apesar dessa leveza, minha prima tem suas virtudes, merecendo destacar aquela que lhe faz ser uma pessoa engraçada em face de suas “tiradas” embutidas com muitos palavrões ou coisas que o valham – creio que seja por isso que as pessoas que lhes são próximas não conseguem tê-la como um ser intragável; bem ao contrário, ao que sei, excluindo-se as escaramuças políticas que divide toda cidade pequena, sua aceitação é pacífica entre os seus conterrâneos.
Creio não ser uma vida elogiável, mas, com certeza, para alguns, invejável, afinal, quem, dentre nós outros mortais, não gostaria de acordar, passar o dia e dormir sem qualquer preocupação com o porvir, com o que comer, com o que beber?
Então, a quem interessar possa, elogia-a, inveje-a ou atire-a a primeira pedra!